Marcelo Barros
Nesta
sexta-feira, completam-se 73 anos do 10 de dezembro de 1948, no qual a
assembleia geral da ONU publicou a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Mesmo se a formulação ainda refletia uma visão ocidental e liberal do ser
humano, representou um passo importante para o reconhecimento da dignidade de
todo ser humano. A convivência social e política se apoia na consciência de que
todas as pessoas têm direitos invioláveis que, sob nenhuma condição, podem ser
desrespeitados. Infelizmente, grande parte da sociedade ainda não se convenceu
de que, cada vez que se desrespeita o direito de uma pessoa, seja ela quem for,
toda humanidade é atingida e desrespeitada.
Comumente,
os Direitos Humanos são vistos apenas como desejos a serem realizados. É quase
impossível compreender como, desde 1948, a ONU reconhecia a segurança
alimentar, a moradia, a saúde como direitos essenciais de todos os seres
humanos e tenha feito tão pouco para que eles sejam realmente respeitados. A
Declaração proclama que todo ser humano tem direito de migrar do seu país para
qualquer outro território. Quase nenhum governo respeita esse direito.
Destacam-se sempre os direitos liberais de ir, vir, comprar e consumir. Nas
últimas décadas, quem mais invoca a Declaração dos Direitos Humanos são os
impérios ocidentais. Estes insistem nos direitos individuais, mas, para tê-los
o passaporte necessário é o dinheiro. No mundo capitalista, só é cidadão quem
pode ganhar e consumir.
No
plano político, governos que se dizem democráticos têm invadido países,
torturado e assassinado pessoas. Governos ocidentais continuam a violar a
justiça internacional e patrocinam golpes de Estado nos países pobres. Financiam
os piores partidos políticos, sempre à sombra dos direitos humanos e até em
nome da civilização cristã. O resultado disso é o que vemos diariamente: países
destruídos pela ambição imperial, milhões de migrantes tentando sobreviver em
outros países e grupos radicais que respondem à violência do Império com o
terrorismo fundamentalista. No fundo, o que os grupos terroristas conseguem é
apenas dar uma aparência de legitimidade às guerras que agora se declaram
contra os terroristas. Pouco adiantou que, já no seu tempo, o Mahatma Gandhi
lembrava aos impérios que, se cumprirmos a lei do “olho por olho, dente por
dente”, acabaremos todos cegos e desdentados.
As
antigas civilizações da Ásia, Oceania e África, assim como as comunidades
índias e afrodescendentes da América insistem que os direitos não são apenas individuais
e sim comunitários e coletivos. Existem os direitos de cada pessoa e direitos
que são comunitários como o direito dos índios ao seu território, o direito de
todo ser vivo à água potável para beber e viver, o direito ao ar puro para
respirar e assim por diante.
O
amor incondicional e solidário nos leva a assumir a responsabilidade ética
pelos mais frágeis e marginalizados. E além de nos solidarizar à luta pelos
direitos humanos e coletivos dos povos, a solidariedade nos leva a um novo modo
de pensar e viver a relação com a Terra, a água, a natureza, os animais e todo
ser vivo. Não podemos tratá-los como se
fossem meras mercadorias. Conosco eles formam uma grande teia de relação: a
comunidade da vida. Esse modo de viver e compreender a vida e os direitos
humanos faz parte de uma cultura amorosa que chamamos de Espiritualidade integral
ou cósmica.
De
uma forma ou outra, todas as religiões reconhecem: o divino só pode ser
encontrado realmente no humano. A espiritualidade, seja religiosa ou não, faz
da defesa dos direitos do ser humano e da natureza um método de intimidade com
o Espírito Divino, presente no mundo.
Marcelo Barros, monge
beneditino e escritor, autor de 57 livros dos quais o mais recente é
"Teologias da Libertação para os nossos dias", Ed. Vozes, 2019. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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