Frei Betto
Na
missa de quinta, 23/2, em Roma, o papa Francisco citou o caso do empresário
italiano, tido como católico exemplar, cujos empregados ameaçavam entrar em
greve por melhores salaries, enquanto o patrão desfrutava de férias em uma
praia asiática. O pontífice frisou que é melhor ser ateu do que se professar
católico e levar uma vida dupla.
“O que
é escândalo?”, indagou Francisco. “É dizer uma coisa e fazer outra.” E lembrou
que há quem diga “sou muito católico, vou sempre à missa, pertenço a essa ou
aquela associação e, por outro lado, essa pessoa não leva uma vida cristã, não
paga o salário justo, explora as pessoas, faz negócios escusos, lava dinheiro.
Tantos católicos são assim e isso escandaliza.”
Francisco resgata uma dimensão teológica sonegada na tradição cristã devido ao
individualismo moderno exacerbado pelo capitalismo: o pecado social. Para
muitos cristãos, pecados são apenas atos pessoais antiéticos baseados no
decálogo mosaico: desonrar os pais, mentir, roubar, matar ou praticar o
adultério. Não avançam do Antigo para o Novo Testamento, no qual Jesus se
compara aos oprimidos (Mateus25) e frisa até mesmo a dimensão econômica
do pecado ao derrubar as mesas dos cambistas no Templo de Jerusalém.
A
causa dessa miopia teológica, que impede muitos cristãos de enxergarem a
dimensão social do pecado, reside na ideologia hegemônica no Ocidente, a que
legitima a acumulação privada da riqueza em detrimento do direito à vida de
bilhões de pobres. Segundo a Oxfam (O Globo, 16/01/2017, p. 16), apenas
oito empresários detêm renda superior (US$ 426 bilhões) à de metade da
humanidade, ou seja, 3,6 bilhões de pessoas (US$ 409 bilhões).
Na
terceira versão do clássico do faroeste Sete homens e um destino,
dirigida por Antoine Fuqua, o vilão Bartholomew Bogue (Peter Sarsgaard), tenta
se justificar dentro da igreja de Rose Greek: “Há muito que este país igualou a
democracia com o capitalismo. E o capitalismo com Deus.”
Francisco tem toda a razão ao enfatizar que é mais coerente negar a crença em
Deus e, portanto, rechaçar a ética judaico-cristã, do que professar uma fé que
não resulta em frutos de justiça. Isso não significa que os ateus não tenham
ética. Pelo contrário. O papa assinalou que os cristãos devem encarar os ateus
como pessoas boas se eles promovem o bem.
As
Igrejas cristãs deveriam aproveitar essa Quaresma, tempo de penitência e
reconciliação, para um profundo exame de consciência. Como agem diante da
tantos filhos e filhas de Deus excluídos de uma vida digna por essa sociedade
que prioriza a competitividade e não a solidariedade? Como reagem ao fato de o
Brasil contar, hoje, com 13 milhões de desempregados? Se o verdadeiro templo de
Deus é o ser humano, por que tantos gastos com a construção de templos de
pedra? Por que isentar as Igrejas de pagar impostos e favorecer a lavagem de
dinheiro se cidadãos e instituições são todos obrigados a contribuir
financeiramente para o bem comum?
Certa
vez a revista Paris Match perguntou a seus leitores qual a
diferença entre empresários burgueses, sem religião, e católicos? A pesquisa
apurou uma única diferença: os segundos costumam ir à missa aos domingos. De
resto, seguem a mesma lógica de acumulação privada, insensíveis aos refugiados,
aos empobrecidos e aos desempregados.
Em
todo bilhete de dólar estadunidense está gravado In God We Trust (Em
Deus Confiamos). Penso que há ali um erro de grafia. Considerando o modo
agressivo, bélico, com que os EUA tratam o resto do mundo desde a Segunda
Grande Guerra, o certo seria In Gold We Trust (No Ouro
Confiamos). O Brasil, como gosta de imitar Tio Sam, imprime no real Deus
Seja Louvado. Sim, se a riqueza do país fosse justamente repartida.
Francisco tem razão: não é a fé que define nossas convicções, nosso caráter,
nosso sentido de vida. É o amor. “E quem ama conhece a Deus”, diz a carta do
apóstolo João. E podemos acrescentar: ainda que Nele não creia. “Nem todo
aquele que diz ‘Senhor, Senhor’ entrará no Reino dos Céus, e sim quem põe em
prática a vontade de meu Pai” (Mateus 7, 21).
Frei Betto é escritor, autor do
romance Minas do ouro(Rocco), entre outros livros.
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