Por
Marcelo Barros
Nesse ano, o 08 de março, dia internacional
da mulher, lembra que, há cem anos, quando na Rússia ainda se usava um antigo
calendário e essa data caía em fevereiro, foram as mulheres em luta por
melhores condições de trabalho e pelo direito do voto que se tornaram o
elemento decisivo da vitória da revolução comunista. As mudanças sociais e
políticas que as mulheres e os trabalhadores implementaram na Rússia se
constituíram como a grande esperança para a humanidade, apenas sobrevivente dos
horrores da primeira guerra mundial. A partir daquele 1917 e até a morte de
Lenin em 1924, a União Soviética mostrou ao mundo sinais de grandes
transformações, melhoras de vida para os trabalhadores e um grande salto social
e cultural na direção do futuro.
Se naquele fevereiro- março de 1917, alguém
dissesse que cem anos depois, o mundo voltaria a estar à beira da catástrofe,
poucos acreditariam. De fato, desde então, é impressionante contar todos os
avanços da ciência. As grandes conquistas da técnica mudaram muito a fisionomia
do mundo. O domínio que o ser humano alcançou sobre a máquina nunca teria sido
antes imaginado. No entanto, apesar de tudo isso, a humanidade se encontra em
uma situação-limite. A ONU declara que, no mundo, existe alimento estocado que
poderia alimentar onze bilhões de pessoas. Atualmente o mundo conta com uma
população de sete bilhões e meio. No entanto, um bilhão de pessoas passa fome e
outro meio bilhão sofre de insegurança alimentar. Depois que os impérios da América do Norte e
da Europa roubam o que podem dos países do norte da África e do Oriente Médio,
sessenta milhões de seres humanos vivem em acampamentos e campos de
concentração, parecidos com os do nazismo. Os próprios países que foram
responsáveis pelo fato deles terem de migrar rejeitam sua presença. Preferem
conviver com a morte diária de refugiados afogados no Mediterrâneo ou
eletrocutados nos muros de vergonha que os governos criam.
Mesmo nos países
ditos mais civilizados e democráticos, 62 famílias mais ricas acumulam uma
riqueza correspondente à metade da humanidade. Quem vê os filmes da primeira
guerra mundial e se espanta com os horrores daquele tempo ou acha que a
revolução dos comunistas na Rússia foi violenta não sabe o que os Estados Unidos,
a França e outros países ocidentais estão patrocinando na Síria. Não viram
ainda as fotografias das crianças assassinadas em Alepo.
Cem anos depois do fevereiro de 1917, a
luta das mulheres continua indispensável e urgente. As mulheres conseguiram algumas
vitórias. No entanto, no Brasil e na maioria dos países, ainda há muitas
discriminações. Em todas as cidades brasileiras, as delegacias da Mulher
registram diariamente violências e assassinatos nos quais a vítima é mulher e
por ser mulher.
No Brasil e em outros países, as mulheres
ainda têm de lutar muito para garantir os mesmos espaços que os homens e em
condições de igualdade, respeitadas as diferenças próprias a cada gênero. Uma
justa relação de gêneros é causa comum a mulheres e homens. Somente assim,
todos os seres humanos, de ambos os sexos, se libertarão das armaduras de medo
e se tornarão cúmplices na busca de uma felicidade compartilhada sem algozes,
nem vitimas.
Para quem é cristão, o dia internacional da
mulher, (08 de março), ocorre no início da celebração anual da Quaresma, tempo forte
de revisão de vida e renovação interior. Nesse contexto, é bom lembrar que as
Igrejas cristãs e outras religiões têm uma dívida histórica e moral com a causa
da igualdade social e da relação de gênero. Muitas delas têm sido cúmplices do
patriarcalismo vigente. E o praticam em nome de Deus. Quem se deixa guiar pelo
Espírito, qualquer que seja a sua tradição religiosa, sabe que as desigualdades,
discriminações, seja de gênero, racial ou social, são anti-espirituais. Vão
contra o projeto divino no mundo e ofendem a presença divina que sofre e geme
com todo tipo de injustiça. Quem é atento à voz do Espírito aprende a escutar o
gemido de Deus solidário com quem sofre.
Hoje, ao vermos filmes e novelas sobre o
tempo da escravidão, podemos nos perguntar como muitos dos nossos antepassados
puderam conviver com tanta atrocidade. Sem dúvida, no futuro, quando nossos
netos e bisnetos estudarem o que ocorreu no Brasil em 2016 e 2017 vão saber de
que lado estávamos nós e o que fizemos contra o genocídio que ocorre sob nossos
olhos e diante de nossa consciência. Não vamos poder dizer, como no mito do
paraíso perdido, "a serpente nos enganou". Não há desculpas para nos
deixarmos hipnotizar pelas notícias enganosas, plantadas pelos grandes meios de
comunicação, interessados em garantir o privilégio dos seus proprietários. Nessa
semana na qual o mundo inteiro será mais sensibilizado para a causa da mulher e
da igualdade de gêneros, recordemos o que disse sua santidade, o Dalai Lama:
“Todos temos de desenvolver o dom da empatia recíproca que, interiormente, cada
pessoa possui. Trata-se de ser incapaz de suportar o sofrimento da outra
pessoa. Só a solidariedade compassiva salvará o mundo”.
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.
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