Frei
Betto
A aprovação da PEC 55 congelou por 20 anos os gastos públicos federais em
educação. Eis a retirada progressiva do Estado como provedor educacional,
cedendo espaço à iniciativa privada. Ensino dá lucro, sobretudo quando objetiva
a massa de alunos que abre mão de seu protagonismo educativo e se torna mero
recipiente para se injetar conteúdos padronizados.
Acelera-se a privatização das instituições de ensino brasileiras em mãos de
grupos estrangeiros. O fundo estadunidense Advent comprou, em março de 2016, o
Centro Universitário da Serra Gaúcha, em Caxias do Sul (RS). No fim do ano
passado, comprou também o Cesuca (Complexo de Ensino Superior de Cachoeirinha
(RS). Reuniu os dois campi no grupo educacional FSG, com 13 mil alunos, cuja
mensalidade mínima é no valor de R$ 1 mil.
Já a fusão, em agosto de 2016, dos grupos Estácio de Sá e Kroton abrangeu 1,5
milhão de alunos. A Kroton, maior empresa educacional do Brasil, abarca 127
campi e 726 polos de ensino espalhados pelo país sob diferentes marcas:
Pitágoras, Unic, Unopar, UNIME, Ceama, Unirondon, Fais, Fama e União.
Associada à monopolização da educação em mãos de poucos grupos, soma-se a
ofensiva para privatizar o ensino público e elitizar ainda mais o privado.
Assim, multiplicam-se “consultorias” educacionais que se apresentam como
ferramentas inovadoras e empunham, como estandarte, o PISA (Programa
Internacional de Avaliação de Estudantes), que avalia 500 mil estudantes em 70
países vinculados à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico).
Quando se quer julgar a qualidade do ensino, apela-se aos dados do PISA. A
ótica do PISA é meramente mercadológica, sem levar em conta as especificidades
locais. O que importa é formar mão de obra qualificada para o mercado global. E
ao enaltecer as novas tecnologias como redentoras da educação, busca
estandartizá-la, esvaziando o ensino de conteúdos críticos e humanitários.
O PISA valoriza políticas educacionais de caráter empresarial e apoia
transferir a responsabilidade da educação do Estado para a iniciativa privada.
Elimina a autonomia pedagógica dos professores e os transforma em meros agentes
forjadores de alunos bem sucedidos em avaliações externas. Em suma, empenha-se
em erradicar a educação como direito universal a ser obrigatoriamente
assegurado a toda a população pelo Estado, para transformá-la em mercadoria ou
artigo de luxo. Quem pode pagar, tem acesso ao estudo.
Desde 1990 se expande no Brasil a educação a distância (EAD) nos cursos de
licenciatura. Após o ano de 2005, esses cursos se ampliaram com a criação da
Universidade Aberta do Brasil (UAB) e a maior atuação da Secretaria de Ensino à
Distância (SEED) do MEC.
O Banco Mundial investe na formação de professores em países em desenvolvimento
desde que se adotem as estratégias do EAD, que não considera a educação uma
prática social essencialmente política. O ensino, agora em escala industrial,
deve evitar a reflexão crítica e ater-se exclusivamente à qualificação
profissional. Essa profilaxia ideológica está na origem da Escola Sem Partido.
Nada de professores e alunos se encontrando em salas de aula, cafés, corredores
da escola, biblioteca. Cada um que se prenda unicamente ao monitor de seu
computador.
Hoje, 72% dos 8 milhões de alunos de ensino superior no Brasil estão
matriculados em universidades particulares, muitos financiados pelo Fies, que
investe quase 20 bilhões de reais de dinheiro do governo em bolsas, quando
deveria aplicar na melhoria do ensino público. No estado de São Paulo, o índice
de alunos de ensino superior na rede privada chega a 84% e, na capital, 91%.
Enquanto isso, a base social brasileira se afunda no poço da ignorância: 2,5
milhões de crianças sem creches; 600 mil sem pré-escola; 460 mil fora do ensino
fundamental; e 1,7 milhão de jovens, de 15 a 17 anos, fora do ensino médio.
Eis o sucateamento de uma nação.
Frei Betto é escritor, autor de
“Alfabetto - autobiografia escolar” (Atica), entre outros livros.
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