Por Marcelo
Barros
"Debaixo do céu, há momento
para tudo e tempo certo para cada coisa. Tempo para nascer, tempo para morrer.
Tempo para plantar, tempo para colher. tempo para construir e tempo para
destruir... Que proveito o trabalhador tira de todo o seu cansaço?" (Ecle
3, 1- 9).
Enquanto,
na Bíblia, o Eclesiastes, um dos livros sapienciais, relativiza cada tempo,
Jesus propõe que busquemos sempre discernir o que ele chama de "sinais do
tempo presente" e agir de acordo com os desafios do momento. Nesses dias,
o Catolicismo popular faz milhares de pessoas viajarem de suas casas até
santuários como o de Trindade ou do Bom Jesus da Lapa. A fé faz os fieis superarem
todas as dificuldades e deixarem tudo para, através do gesto de caminhar até o santuário
e cumprir sua devoção.
Do mesmo
modo que a peregrinação é um dos mais antigos atos religiosos nas mais
diferentes tradições, também o ato de parar as atividades e fazer greve tem uma
dimensão espiritual. As antigas religiões orientais propõem a quietude e até a
imobilidade, como atos proféticos, diante da agitação e quando não se sabe como
reagir às provocações do mundo opressor. Na cultura judaica, o termo shabbat designa o sábado, dia sagrado do
descanso. Mas, mesmo no hebraico moderno, esse termo também significa "greve" como direito sagrado dos
trabalhadores. Os profetas bíblicos
sempre se insurgiram contra os que impedem os trabalhadores de parar quando
isso é o direito deles. Se o dia consagrado e os cultos religiosos não têm como
fundamento o cuidado com a justiça e a preocupação com os direitos dos pobres,
eles são idolátricos e fazem Deus afirmar: "O país de vocês está devastado, as terras são devoradas por
estrangeiros. A realidade é de desolação. O que me interessa a quantidade dos
seus sacrifícios religiosos? (...) Quando vocês vêm à minha presença e pisam no
santuário, quem exige isso de vocês? Parem de fazer cultos inúteis. Para mim, o
incenso é algo nojento. .. Não suporto injustiça junto com festa religiosa...
Quando vocês erguem as mãos para mim, eu desvio o olhar. Ainda que multipliquem
suas orações, eu não escutarei" (Isaías 1, 7 e 12- 15).
Nesses
dias, em todo o Brasil, de uma forma suprapartidária, os movimentos de
trabalhadores do campo e da cidade, centrais sindicais, pastorais sociais e
toda a sociedade civil organizada, concordam que a realidade que o nosso país
enfrenta exige uma reação de todo o povo. Por isso, planejam mais uma greve
geral. É a continuação da paralização ocorrida no dia 28 de abril, que contou
com o apoio de mais de cem bispos católicos, de várias Igrejas evangélicas e do
Conselho Nacional de Igrejas Cristãs. Nessa sexta feira, 30, a greve vai parar
o país. Milhões de pessoas irão às ruas para gritar contra as medidas tomadas
pelo governo que rouba direitos conquistados dos trabalhadores e entrega as
riquezas nacionais a corporações estrangeiras.
No
contexto atual brasileiro, essa convocação para a greve geral é um apelo para a
responsabilidade de todos no destino do país. Ao parar os trabalhos e mesmo
sair às ruas para exigir mudanças na realidade social e política do país, as
pessoas estarão afirmando que, mesmo com toda a anestesia social provocada
pelos grandes meios de comunicação, a preocupação com o bem comum, o exercício
da cidadania e a fraternidade humana continuam vivas.
Conforme
o evangelho, quando Jesus entrou em Jerusalém para celebrar a Páscoa, a
multidão de peregrinos o aclamou como o enviado de Deus para libertar o povo
dos seus opressores. A expressão Hosanah que era a aclamação litúrgica de um
salmo podia ser compreendida como o grito: Liberta-nos! Lucas conta que, ao
verem que aquela peregrinação tomava o caráter de manifestação política nas ruas, alguns mestres
da religião disseram a Jesus para mandar os discípulos e o povo se calarem.
Jesus lhes respondeu: "Se eles se calarem, até as pedras gritarão"(Lc
19, 40). Certamente, essas palavras de Jesus servem para descrever a realidade
atual brasileira e a responsabilidade de todo o povo gritar por mudanças. Quem
tem fé pode acreditar que o Espírito de Deus que conduziu o povo bíblico da
escravidão a uma terra livre, agora, impulsiona os grupos sociais e as pessoas
que têm fome e sede de justiça para a felicidade de realizar o projeto divino
nesse mundo.
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.
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