Por Marcelo Barros
O Brasil é
um país cada vez mais marcado pelo pluralismo cultural e religioso. Só no
Distrito Federal, uma pesquisa recente descobriu a existência de mais de 700
diferentes denominações religiosas. Mesmo nos confins mais isolados do interior
da Amazônia ou do sertão do Nordeste, em cada aldeia e povoado, convivem
pessoas de crenças diversas. Durante séculos, as Igrejas tentaram converter os
fieis de outras religiões à fé cristã. E como pensavam que os não cristãos
estavam errados e o erro não tem nenhum direito de existir, muitas vezes,
chegaram a usar de violência para forçar conversões. Há um pouco mais de 50
anos que, no Concílio Vaticano II, os bispos católicos de todo o mundo
afirmaram que Deus chama os cristãos não para converter os outros ao Cristianismo
e sim a que eles mesmos se convertam ao evangelho de Jesus. Eles devem dar
testemunho disso através de uma postura de abertura ao diferente e de diálogo
com os não cristãos. A verdadeira missão nada tem a ver com proselitismo e não
deve jamais desrespeitar a consciência e a liberdade religiosa de ninguém.
De fato, a
verdade é que Deus chama os cristãos, não a converterem as religiões à sua fé e
sim a eles se converterem às outras religiões. Isso não significa renunciar à
sua fé de origem, nem obriga ninguém a aceitar doutrinas de outros credos.
Trata-se sim de ir amorosamente ao encontro das outras tradições espirituais
para, juntas, testemunhar ao mundo ao amor divino. Essa nova compreensão da
missão é vivida no diálogo sincero que busca valorizar o outro. Foi isso que
Jesus fez ao curar o servo do oficial romano e ao encontrar a mulher
samaritana. Ele lhe revelou: "não se
trata de adorar a Deus em Jerusalém (no Judaísmo), nem nesse monte (na religião
samaritana). Deus é espírito e verdade e deve ser adorado em espírito e
verdade" (Jo 4, 21- 23).
Existem
dois modos como tem sido vivido esse diálogo de comunhão entre as religiões. Um
deles é o mais simples e comum. Acontece quando cristãos se encontram com
budistas para aprenderem o que Deus diz a eles, cristãos, através da sabedoria
budista. Assim, já no começo do século XX, um leigo católico francês, como
Louis Massignon, procurava conhecer o Islã para dialogar e para, com aquele
conhecimento, se tornar mais cristão. Um segundo jeito como se tem dado esse
caminho de diálogo é o de cristãos que se inserem profundamente na
espiritualidade do outro como um caminho de contemplação e encarnação da
Palavra divina, sem deixar de ser cristãos.
Desde o
começo do século XX e principalmente nos meados do século, vários cristãos,
especialmente, monges católicos e padres decidiram viver na Índia e se inserir
na espiritualidade hindu. Um deles, o padre Bede Griffis, foi abade de um
mosteiro beneditino na Inglaterra. Ele escreveu: "Quanto mais me sinto
hindu, budista, islamita e poderia ainda inserir-me em outra religião, mais me
descubro profundamente cristão".
No Brasil,
desde os tempos da colonização e até hoje, em nome de Jesus Cristo, as
religiões negras e indígenas têm sofrido discriminações e perseguições. Quase a
cada dia, grupos que se dizem cristãos praticam atos de intolerância e
discriminação contra lugares de culto e comunidades de religiões
afrodescendentes. No entanto, muitas pessoas do povo se confessam cristãs e, ao
mesmo tempo, são membros de comunidades de cultos afrodescendentes. Há quem
condene esse sincretismo. Julgam por preconceito. De fato, não é bom confundir
uma religião com a outra. Também não é aconselhável participar superficialmente
de cultos, sem se inserir profundamente em nenhuma comunidade. Mas, muitos
irmãos e irmãs conseguem fazer uma síntese e se integrar em duas tradições
espirituais, de uma forma que enriquece a cada uma delas e as aproxima. A
famosa Yalorixá Mãe Menininha do Gantois viveu profundamente a espiritualidade
da religião dos Orixás e, ao mesmo tempo, era católica de comunhão frequente.
Quando perguntada sobre isso, ela respondia: "As religiões não são marcas
de refrigerante que competem uma com a outra. São idiomas que podem se
complementar". De fato, ela integrava em uma só fé os dois caminhos
espirituais como alguém que fala bem dois idiomas e é capaz de, em qualquer um
deles, viver um diálogo de amor profundo.
Nos anos
70, o padre François de l'Espinay, teólogo e espiritual francês, se inseriu
espiritualmente na religião afro. Chegou a se tornar "Obá de Xangô"
em um dos templos mais importantes do Candomblé de Salvador. Ali viveu como padre e membro da comunidade
até morrer.
O evangelho
diz que Jesus morreu "para reunir na
unidade todos os filhos e filhas de Deus dispersos pelo mundo" (Jo 11,
52). Por isso, os discípulos e discípulas de Jesus consideram sua missão unir
os mais diferentes caminhos espirituais no testemunho do projeto de um mundo de
paz, justiça e comunhão com a Terra e a natureza. Todos somos chamados a viver
isso.
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.
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