Por Frei
Betto
No Brasil, os dois governos de Lula e o primeiro de Dilma foram os melhores de
nossa história republicana. Entre 2003 e 2011, a renda dos brasileiros cresceu
a uma taxa média de 2,8% ao ano. O volume de divisas internacionais superou o
montante da dívida externa com os bancos internacionais, fazendo com que o
Brasil se destacasse como credor mundial. Acreditou-se que o país havia
superado seus problemas com as contas externas.
O aumento do salário mínimo acima da inflação a cada ano, e a política de
facilitação de acesso ao crédito, fizeram com que o consumo fosse amplamente
dilatado. No período Lula, entre 2003 e 2010, a geração de empregos chegou a 14
milhões (índice igual ao desemprego no período Temer). Todo esse processo criou
a impressão de que o Brasil havia conquistado o patamar de um desenvolvimento
capitalista autossustentável.
Esse processo reduziu, de fato, a desigualdade social. O índice Geni, que mede
o grau de concentração pessoal da renda, se reduziu um pouco nos 13 anos de
governo do PT. Diminuiu a distância entre a renda média dos 10% mais pobres e
dos 10% mais ricos. Em 2010, esta diferença era de 39 vezes, enquanto em 2002,
no governo FHC, era de 57 vezes. Cerca de 40 milhões de brasileiros saíram da
miséria. Ampliou-se a rede de proteção social aos mais pobres. Em 2015, o Bolsa
Família atendeu a quase 14 milhões de famílias.
Somam-se a isso a independência e a soberania da política externa brasileira,
como a desarticulação da Alca, o fortalecimento do Mercosul, a participação na
Celac e no G-20, a formação do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do
Sul), e a eleição do nosso país para sediar a Copa do Mundo de 2014 e as
Olimpíadas de 2016.
A falta, porém, de uma ousada política de comunicação e democratização da
mídia, aliada ao fortalecimento dos mecanismos de participação democrática,
tanto na esfera política quanto na econômica, fragilizaram todas essas
conquistas. Não se fez um intensivo trabalho de alfabetização política da
população, mormente dos setores populares, concomitante à organização e
mobilização desses setores.
Nem sempre os governos progressistas da América Latina se empenharam em
inverter a relação, historicamente predominante, da supremacia do mercado sobre
o Estado. Ao contrário, através de desonerações tributárias, subsídios
generosos a juros baixos e flexibilização das leis trabalhistas, o Estado se
aliou ao mercado e se tornou seu provedor.
O Estado, por natureza, deve ser o provedor daqueles que se encontram marginalizados
ou excluídos pelo mercado. O Estado tem, por dever, contrapor-se ao mercado
quando este favorece a desigualdade social; reforça a primazia da propriedade
privada sobre os direitos coletivos; e suga os recursos públicos, através de
dívidas públicas não auditadas e, portanto, suspeitas.
Um governo que se pretende progressista e, no entanto, não logra assegurar a
soberania do Estado sobre o mercado, está inevitavelmente condenado a ter seu
poder político derrotado pelo poder econômico.
Frei Betto
é escritor, autor de “Parábolas de Jesus – ética e valores universais” (Vozes),
entre outros livros.
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