por Leonardo Boff
Há uma crise generalizada acerca do
poder e de seu exercício, una real crise sistêmica, vale dizer, a percepção de
que a forma como entendemos o poder e seu exercício em todos os âmbitos da
realidade, não nos faz melhores. Vivemos quase sempre sob formas degeneradas,burocráticas,
patriarcais, autoritárias senão ditatoriais. Max Weber, um dos grandes teóricos
do poder, deu-lhe uma definição que tomou como referencia seu lado patológico e
não seu lado sadio. Para ele, poder é fazer com que o outro faça aquilo que eu
quero.
Por que não entender o poder como
expressão jurídica da soberania popular, poder compartido e servicial? O ético
deste poder consiste em reforçar o poder do outro para que ninguém se sinta sem
poder mas participante nas decisões que afetam a todos.
Em tempos de crise como o nosso,
convém revisitar outras formas de exercício de poder que nos ajudam a superar o
pensamento único acerca do poder. Penso aqui na formas como os Guarani
entendiam o poder e seu portador, o chefe da tribo. Sabemos historicamente que
os tupi -guarani por volta de 1.100 anos antes da chegada dos europeus
constiuiram um vasto império na selva que ia do norte nos contrafortes andinos
até as bacias do Paraguai e Paraná ao sul. Não deixavam monumentos mas terras
trabalhadas e muitos caminhos, até hoje identificáveis, que ligavam outras
tribos para negócios (ver o livro de Evaristo E.de Miranda, Quando
o Amazonas corria pra o Pacífico, Vozes 2007, p.91-94). Portanto, era
um formidável império.
Um pesquisador francês Louis Necker
nos traz um relato impressionante acerca do tema do poder entre os guaranis (Indios
guranies y chamanes franciscanos: las primeras reducciones del Paraguay
(1580-1800, Asunción 1990). Permito-me transcrever alguns tópicos
ilustrativos de um outro ipo de exercício de poder.
“O chefe não tinha poder de coerção.
Seus “súditos” aceitavam sua autoridade e sua preeminência só na medida das
contraprestações que recebiam dele. O chefe dirigia os empreendimentos
comunais…. Tinha um privilégio: a poligamia. Mas por sua vez tinha obrigações
bem precisas cuja não execução podia significar-lhe o abandono de seus súditos:
conduzir habilmente a política exterior do grupo, tomar decisões judiciosas em
matéria econômica, repartir com justiça entre as familias nucleares os lotes de
terreno limpados em mutirão, manter a paz no grupo e muitas vezes ter
qualidades de chamã, úteis ao grupo, como o poder de curar ou o controle das
forças sobrenaturais. Era muito importante que o chefe fosse eloquente. E
sobretudo devia ser generoso. Como o notou Levi-Strauss, nos povos
do tipo dos Guarani,”a generosidade é o atributo essencial do poder“.
Para conservá-lo o chefe devia sem cessar fazer presentes de bens, de serviços,
de festas,..Na selva tropical, este tipo de obrigação pode ser tão pesada que o
chefe se via obrigado a trabalhar muito mais que os outros e a renunciar quase
a toda posse para si mesmo. É o papel do chefe…dar tudo o que se lhe pedissem:
em algumas tribos se pode reconhecer sempre o chefe na pessoa que possui menos
que os outros e leva os ornamentos mais miseráveis. O resto se lhe foi em
presentes”.
O Cristianismo não escolhe a cultura
na qual vai se encarnar. Encarna-se naquela que encontra. Assim fez com a
cultura do judaismo da diáspora (judeus que viviam fora da Palestina), com o
judaismo palestinense, com a cultura grega da Ásia Menor e com a cultura
imperial romana. Desta encarnação nos veio o atual cristianismo com suas
positividades e limitações próprias desta cultura. Especialmente a Igreja
romano-católica assumiu o estilo de poder, não pregado por Jesus, mas dos
Imperadores, poder absoluto e carregado de símbolos que subsistiram nos Papas
até o advento do Papa Francisco que se libertou deles renunciando especialmente
da famosa “mozetta” aquela capinha nos ombros carregade ouro e prata, símbolo
maior do poder do imperador e a vida em palácios. O Papa Francisco seguiu os
passos do poverello de Assis e foi morar onde vão se hospedar
os bispos e padres que chegam a Roma.
Façamos um exercício de imaginação.
Que tal se o cristianismo, ao invés de lançar raízes na cultura mediterrânea
grego-latina e depois germânica, tivesse assumido a forma Guarani, nas vastas
extensões amazônicas que dominvavam, de exercício de poder?
Então encontraríamos os padres,
paupérrimos, os bispos, miseráveis e o papa, um verdadeiro mendigo.
Trabalhariam incansavelmente a serviço dos fiéis. Sua marca registrada seria a
generosidade sem limites.
E dariam um testemunho espontâneo e
profundamente inspirador do sonho de Jesus. Ele pediu semelhante exercídio do
poder, como puro serviço: ”sabeis que entre as nações quem tem poder manda e os
grandes dominam sobre elas; assim não há de ser entre vós; ao contrario, se
alguém de vós quiser ser grande, seja vosso servidor; pois o Filho do Homem não
veio para ser sevido mas para servir” (Mc 10, 42 ss).
Que esse ensinamento seja permanente
auto-crítica a todo poder, também daquele ecclesiastico, mas principalmente
seja inspirador de uma forma não dominadora do poder.
Leonardo Boff é articulista do JBon
line, teólogo e escreveu Igreja: carisma e poder, Vozes 1982.
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