Frei Betto
O
inferno está vazio de demônios porque eles invadiram a Terra com suas obras
malignas: pandemia, neonazismo, negacionismo, pedofilia, racismo, homofobia,
misoginia, terrorismo digital etc.
Nos
níveis mais profundos do inferno, Dante identifica os hipócritas e os ladrões
(no oitavo) e os traidores da pátria e dos amigos (no nono). O que, no Brasil,
nos remete aos que consideram a pandemia uma “gripezinha”, fazem cara de
paisagem diante das “rachadinhas”, admitem que o nosso país é um “pária” na
configuração mundial, evitam medidas para salvar a vida da população e
escanteiam aqueles que o ajudaram a se eleger, como fez com Gustavo Bebianno,
Major Olímpio e Sérgio Moro.
Deste
lado da vida, nos defrontamos com infernos estruturais: desigualdade social,
devastação ambiental, trabalho escravo, genocídio, guerras, armas nucleares e
químicas etc.
Em
sua etimologia grega, demoníaco não é um ente, é o desejo de um ser humano de
que ele e seus atos sejam considerados definitivos e supremos. Daí o visceral
apego de certos políticos ao poder. São pessoas de baixa autoestima e quando
alçadas à função de mando encontram nisso uma forma para tentar encobrir suas
fragilidades e contradições, alimentando em seus apoiadores a convicção de que
estão diante de um “mito”. Como observou Sartre, certos seres humanos vivem na
ilusão de ser Deus.
Aliás,
o que Sartre quis dizer ao cunhar o axioma de que “o inferno são os outros”?
Não quis fazer entender que o próximo é demoníaco e, portanto, devemos nos
enclausurar no mais ferrenho solipsismo. Quis denunciar que o olhar do outro
pode confundir o meu modo de ser e anular a minha individualidade. É o caso de
quem tem medo de ser o que é e transfere sua razão de viver para algum
“pastor”, “guia” ou “mito” capaz de lhe indicar o caminho da “verdade” que
haverá de libertá-lo. Vale lembrar que o demônio sempre se disfarça de anjo,
sua primeira natureza.
“Grande
sertão, veredas”, de Guimarães Rosa, termina por ressaltar o paradoxo que
angustiou toda a epopeia de Tatarana: existe ou não o Demo? O narrador, ao
final, sublinha: “Pois não? O senhor é um homem soberano, circunspecto. Amigos
somos. Nonada. O diabo não há! É o que eu digo, se for... Existe é homem
humano.”
Frei Betto é
escritor, autor de “O diabo na corte – leitura crítica do Brasil atual”
(Cortez), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org
Frei
Betto é autor de 69 livros, editados no Brasil e no exterior. Você poderá
adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org Ali os encontrará a
preços mais baratos e os receberá em casa pelo correio.
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