FREI ALOÍSIO FRAGOSO
(20/03/2021)
Esta manhã, bem cedo, do alto da minha
janela aberta para a cidade, contemplo ruas e praças e tenho uma sensação
comparável ao "dia seguinte do final da Copa do Mundo de 1950" ou
comparável a uma "véspera de fim do mundo". No primeiro caso:
tristeza; no segundo: medo.
Esta sensação não procede do ineditismo de
ruas e praças inteiramente vazias de seres humanos, não, é algo fúnebre, talvez
efeito emocional dos pesadelos desta noite, acumulando imagens das más notícias
do dia anterior. Há muito tempo não via um noticiário tão deprimente.
Catástrofe, exaustão, esgotamento, tragédia, depressão, colapso, são alguns
substantivos empregados pela mídia. Destes, escolho um, em especial, como o
mais próximo da realidade: tragédia. Em seu sentido etimológico. De origem
grega, esta palavra designava o canto que precedia a matança ritual de bodes
nas festas de Baco. (Nestes tempos de culto à natureza, decerto não pega mal
esta analogia entre bodes e seres humanos; a dor que precede a morte nivela
todas as vidas).
Afinal o que está acontecendo fora do que
os nossos olhos alcançam? O que irá mudar para além do que prevêem as nossas
conjecturas? Será que Deus está mudo? Ou será que Ele está falando para ouvidos
surdos?
Nossa fé desatenta espera, da parte Dele,
intervenções fenomenais, espetaculares, capazes de provar que, desta vez, é a Divindade que vai entrar em campo. E não
nos damos conta de que, há milênios, Deus fala de mil maneiras e por mil
sinais. Desde o início da pandemia,
temos sido advertidos por vozes proféticas: não basta precaver-se com medidas
preventivas. Nem mesmo basta esperar a vacina prodigiosa. É preciso mudar de
vida, converter-se, mudar modelos da convivência humana, mudar relações com a
natureza, mudar aspirações e finalidades, mudar estruturas de poder, mudar
projetos políticos e econômicos. A reação geral é o eco de velhos jargões: "tudo,
menos mudanças nos meus planos de vida!" "Tudo, menos privação dos
meus prazeres!" "Tudo, menos
perda de meus lucros!"
Mais grave do que tudo isso é a sensação
que me ocorreu, e ainda persiste. A sensação de que existem grupos diabólicos,
com intenções diabólicas, para fins diabólicos. Estes grupos advogam uma nova
idéia de libertação: libertar-se de tanta gente que está ocupando os espaços
onde menos gente poderia ser feliz. Como
seria feliz um Brasil de 80
milhões de habitantes em vez de 200 milhões, com superlotação de massa
improdutiva! "A culpa é dos pobres, proliferando feito coelhos".
Infelizmente as leis não permitem que contratemos matadores profissionais. Daí
nada mais oportuno do que uma pandemia para fazer uma "seleção natural".
Imagino alguém se agitando dentro do
túmulo: Charles Darwin (1809-1882). Depois de mais de 20 anos de pesquisa, ele chegou à conclusão de que a sobrevivência
das espécies está associada à seleção
natural e isso se dá como forma de adaptação ao meio ambiente em que habitam.
Aplicada à sociedade humana, a seleção natural acontece à medida em que algumas
sociedades se extinguem por incapacidade de acompanhar a linha evolutiva das
demais.
O que pretendem os diabólicos
nazi-fascistas de plantão? - Pretendem apressar esta seleção, a ferro e fogo.
Não podemos esperar séculos! Temos que agir agora!
Só de imaginar, vejo, a poucos metros, o
espectro de Hitler. Então boto a mão no
fogo da minha fé e digo: não! Não! Jamais! Enquanto aguardo a reação dos meus
companheiros, a fim de saber se vale a pena ir adiante neste assunto, vou
meditar nestas palavras de Jesus: "Se tiverdes fé, como um grão de
mostarda, direis a este monte: retira-te! E ele obedecerá." Mt. 17,20.
Frei Aloísio Fragoso é frade
franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário