FREI ALOÍSIO FRAGOSO
(10/03/2021)
Suspendemos nossa última Reflexão no
momento em que faltou espaço para uma mulher admirável, filha do nosso tempo:
Teresa de Calcutá, santa, canonizada pela Igreja Católica, sob os aplausos do
mundo inteiro. Ela enfrentou o mais temível de todos os sentimentos de
impotência, e este era o nosso assunto, a sensação de impotência que invade o
espírito de muita gente hoje em dia. Como enfrentá-la?
O drama dela teve início quando ela se
deparou com o espetáculo da miséria humana e escutou dentro de si uma voz
clamando: "vem e sê minha luz"!
Confesso que não a apreciava; via nela o
exemplo de alguém capaz de extrema abnegação em favor dos miseráveis, porém
calada diante das causas desta miséria. Minha visão mudou por completo no dia
em que reconheci o seu verdadeiro carisma: ela vivia recolhendo moribundos,
cadáveres vivos, pelas ruas, pelas estradas, a fim de que morressem com
dignidade, cercados de pessoas, sentindo-se finalmente amados. Ela arrancava a
crosta de desumanidade que tinha apagado nestas criaturas a imagem viva do
Criador. Quem era o culpado deste apagão? Perguntava eu inconformado. Até
descobrir que ela simplesmente não fazia esta pergunta. Se a fizesse,
desesperaria. Pessoas desesperadas se paralizam. Então reconheci que ela estava realizando um sublime e
incomparável protesto contra todas as injustiças do mundo.
O preço que ela pagou por isso é o que eu
chamo de terrível sentimento de impotência. Deixemos que ela mesma fale, em
trechos de cartas pessoais, escondidas durante sua longa vida, mas divulgadas
postumamente. "Em minha alma sinto uma dor terrível. Sinto que Deus não me
quer, que Deus não é Deus e que Ele verdadeiramente não existe". Na verdade,
ela está confessando que a presença de Deus não é vivenciada no mundo de seus
sentimentos. Vivendo em extremos de amor ao próximo, ela dá testemunho Dele,
mas, dentro de si, não O sente. "Há tanta contradição em minha alma, um
profundo anelo de Deus, tão profundo que me faz mal, um sofrimento contínuo, e
com ele o sentimento de não ser querida por Deus, rejeitada, vazia, sem fé, sem
amor..." Pode haver impotência maior do que crer no Amor e ser privada de
sentir sua presença?
Nestas últimas semanas da Quaresma estamos
nos aproximando dos estertores da penitência,
por isso temos que buscar resposta nos subterrâneos profundos da Fé. S.
Paulo a define na Epístola aos Hebreus, 1,11: "Fé é crer naquilo que não
se vê e perseverar naquilo que se espera". Como perseverar na procura do
invisível se não for movido por algum sinal visível desta esperança? Ouçamos
sobre isso a palavra do Papa Bento XI: "Fé não é só uma inclinação das
pessoas para realidades que hão de vir, mas estão ainda totalmente ausentes.
Ela já nos dá agora algo da realidade esperada. Ela atrai o futuro para dentro
do presente. Assim as coisas futuras se derramam nas presentes e as presentes
nas futuras." Pelo fato de que já a trazemos germinando em nós, temos uma
visão antecipada da coisa esperada.
Onde enxergar estes sinais capazes de nos
mover e animar? Eles se oferecem aos milhares. Estão presentes na paixão de
Teresa de Calcutá, ao longo de 50 anos, plena de amor total e vazia de
compensação espiritual. Estão presentes na loucura de Che Guevara, sacrificando
cada minuto de sua existência pela libertação dos oprimidos ("se eu
avançar, sigam-me; se eu parar, empurrem-me; se eu recuar, matem-me").
Estão presentes no grito de "viva a liberdade" de outros tantos
revolucionários diante do pilotão de fuzilamento. Nenhum ser humano chega a
este ponto se não estiver movido por uma certeza.
Enfim transportemo-nos até a Cruz do
Calvário. Escutemos na boca do Salvador o grito lancinante "Meu Deus, por
que me abandonaste"? seguido de uma
rendição absoluta "Em tuas mãos entrego o meu espírito" e culminando
com a revelação final "Tudo está consumado".
Neste "tudo está consumado"
desvenda-se o mistério: cumpriu-se a missão e foi dada a prova suprema de amor.
Na Cruz já estava presente a ressurreição, no aparente fracasso, a garantia do
êxito final.
Nosso problema parece ser a ansiedade.
Ansiamos por resultados imediatos porque temos pressa. Mas a História da
Salvação se constroi lentamente, por infindáveis milênios. Com esta visão de fé
aprenderemos que fazer história é também um ato de humildade, como prova Jesus,
que não fez senão plantar as sementes dos frutos que colheremos até o final dos
tempos. Amém.
Frei
Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e
escritor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário