FREI ALOÍSIO FRAGOSO
(24/03/2021)
Nestes primeiros dias de lockdown imposto
pelas novas variantes do coronavirus, a nossa fé tem sido posta à prova e
cresce o anseio por uma intervenção divina. Como uma criança pobre que insiste
no seu pedido, "vai, tio! vai, tio! vai, tio!" assim nossa súplica:
vai, Deus! vai, Deus! entra em cena com o teu poder. Chegamos a uma
situação-limite, salva-nos, antes que venha o caos!
Faz um pouco mais de 20 séculos, em
terras de Israel, o povo gemia impotente
sob o jugo implacável do Império Romano. Restava--lhe uma única esperança: a Fé
na vinda do Messias libertador. "Abram-se as nuvens e façam chover o Salvador. Fenda-se a terra e
faça germinar a salvação", clamava o povo há séculos.
Aí chega Jesus de Nazaré. Em sua primeira
pregação, convoca todo mundo para uma "metanoia". Mergulhemos fundo
no sentido etimológico desta palavra
grega, a fim de compreendermos as suas intenções. "Meta": além, acima
e "noia", derivação de "nous": mente. Trata-se, pois, de
uma mentalidade nova, gerando novas atitudes. A palavra se supera, adquire uma nova dimensão, um modo
transcendentalmente novo de conceber idéias, de enxergar a vida, a realidade e
de se comportar. Comumente ela se traduz com os termos conversão e penitência.
Imaginemos um motorista que transita com
seu veículo por uma avenida e, de repente, decide mudar para outra avenida. Ele
faz uma manobra que se chama conversão. É uma rota nova, que se abre para a
visão de uma nova realidade. A antiga rota ficou para trás. Jesus chama a
conversão de "novo nascimento" (cfr.Jo.3,3-6). S. Paulo chama o
convertido de "nova criatura" (cfr.Heb.1,11)
Ao longo do tempo este entendimento foi-se
diluindo; foi-se limitando ao campo de emoções e práticas corporais (testemunho
verbal, adesão a uma nova comunidade religiosa, jejuns, abstinências, etc.). E
assim a radicalidade do Evangelho acabou sendo domesticada, amenizada, quando
não instrumentalizada, inutilizada.
A prática da Fé, para ser cristã, tem que
ser vivida historicamente, em meio aos
acontecimentos. História da Salvação é o seu nome tradicional.
Chega então a hora de perguntar: como
viver nossa Fé no confronto com os fatos
que estão violentando a segurança
e a paciência do povo brasileiro, submetido à esquisofrenia dos que ocupam a
cúpula do poder político?
Por fidelidade à metanoia evangélica, não podemos compactuar
com suas políticas, sob pena de negar nossa Fé, desde a raiz.
Daí a angústia de muitos cristãos, a vontade de interpelar a Deus diretamente,
como o salmista: "acorda, Deus, por que dormes? Por que escondes a tua
face, esquecendo nossa opressão e miséria?" Salmo 44.
Imagino a resposta do Alto: por que eu
teria de corrigir, com uma intervenção direta, o caos que vocês mesmos criaram?
Como vocês aprenderiam as lições necessárias para prevenir novas catástrofes? -
No entanto, Senhor, milhares de pessoas estão perdendo a vida e outras milhões,
perdendo a paz! - Houve acaso alguma época na História em que as verdadeiras
conversões em favor da vida e da paz não tenham custado martírios e sangue
humano? De onde vem estes crimes senão de vossos egoismos e ambições? - Apesar de tudo, Senhor, vem em nosso
socorro, pois estamos perdendo as forças de reagir! - Enquanto vocês se amedrontarem diante de um
grupo de mentes patológicas, com seus planos diabólicos, sem aprender as lições
do passado, suas forças só definharão. Se não vos converterdes, ainda que eu
destruisse o último coronavirus, voltaríeis aos vossos pecados, causadores de
novos virus. - O' Deus, tem piedade. Como iremos celebrar a próxima Páscoa com
300.000 mortes na consciência? - Todos estes foram redimidos pelo sangue do meu
Filho. Deixai-os entregues ao meu amor. Eu cuidarei deles e eles viverão para
sempre. Mas se quiserdes perpetuar sua memória, perseverai na luta.
Este
diálogo jamais acabaria porque nenhum de seus argumentos é
inquestionável. Deus não age por argumentos e sim por compaixão. Se cremos, rendemo-nos a Ele. Igualamo-nos a uma
criança que segura na mão do pai e se sente maior do que o mundo. E ficamos a
escutar estas palavras de Jesus: "....fareis as coisas que eu fiz e outras
ainda maiores" Jo.14,12. Amém
Frei Aloísio Fragoso é frade
franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.
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