Leonardo Boff
Um manto
de tristeza e de desamparo se estende sobre o inteiro
planeta, especialmente, sobre o nosso país. Somos vítimas de um governo
cujo chefe de Estado é dominado por uma inequívoca pulsão de morte que o torna
insensível aos trezentos mil vitimados pelo Covid-19 e incapaz de palavras de
solidariedade aos familiares e até aos auxiliares próximos falecidos. Parece
que sofreu uma lobotomia, tornando-se indiferente à dor e à tragédia humana.
Hoje, dia
19 de março, se celebra no mundo cristão a festa de São José. Demorou cerca de
15 séculos para a Grande Instituição-Igreja (Papa, bispos e padres)
conceder-lhe algum valor e sentido. Ela não sabia o que fazer com São José,
pois ela é uma Igreja da palavra e ele não proferiu nenhuma. Guardou sempre
silêncio e só teve sonhos. Como nos ensinam os psicanalistas, o sonho também é
uma forma de comunicação, das dimensões do profundo humano, dos
arquétipos mais ancestrais onde se aninham os “Grandes Sonhos”(C.G.Jung), os
medos, as preocupações e esperanças da humana existência.Só em 1870 foi
proclamado Patrono da Igreja Universal, não pelo Papa Pio IX mas pela
Congregação dos Ritos.
Na
verdade, ele é mais o patrono da Igreja-povo-de-Deus, dos humildes, dos
anônimos, da “gente boa” e trabalhadora do que da Igreja-Grande-Instituição.
São eles que vivem, sem muita reflexão, os ideais de seu filho Jesus, de
boa vontade, de amor, de solidariedade e de reverência face ao mistério
da vida e da morte. Eles deram o nome de José a homens e à mulheres (com por
exemplo, Maria José), à cidades, à ruas, à instituições públicas e à escolas.
O Papa
Francisco convocou os fiéis para, durante um ano, refletirem sobre a relevância
da figura de São José, especialmente como pai numa sociedade sem pai ou do pai
ausente. Publicou uma Carta Apostólica “Patris corde” (coração de pai ou
pai de coração) na qual em sete pontos delineia suas principais
características:“um pai amável, pai de ternura, pai de obediência, pai de acolhida, pai de coragem criativa, pai trabalhador e pai
na sombra”.
No atual
contexto, cabe recordar uma devoção muito popular, a de São José, padroeiro da
boa morte, já que a morte se alastra no mundo e no Brasil faz as maiores
vítimas junto com os EUA.
As
informações sobre a morte de São José se encontram apenas num evangelho
apócrifo (não canônico) “A história de José, o
carpinteiro” escrito entre o século IV e V no Egito (edição da Vozes
de 1990). Trata de uma longa narração na qual Jesus conta aos apóstolos como
era seu pai José e como morreu.
O
apócrifo contextualiza sua vida e sua morte, testemunhando que, ao voltar
exílio forçado no Egito, foi viver em Nazaré, onde “meu pai José, o ancião
bendito, continuou exercendo a profissão de carpinteiro e, assim com o trabalho
de suas mãos, pudemos nos manter; jamais se poderá dizer que comeu seu pão sem
trabalhar” (capítulo IX). Narra ainda que “eu chamava a Maria de minha mãe e a
José de meu pai; obedecia-lhes em tudo o que me ordenavam, sem me permitir
replicar-lhes uma palavra; ao contrário, dedicava-lhes sempre grande carinho”(c.
XI).
Mas
chegou um momento, já em avançada idade, que adoeceu:”perdeu a vontade de comer
e de beber; e sentiu vacilar a habilidade no desempenho de seu
ofício”(c.XV). Narra com pormenores que, deitado na cama, “ficou extremamente
agitado” e começou a se lamentar proferindo muitos ais (c. XV e
XVI). Ao ouvir tais ais Jesus “penetrou no aposento em que se encontrava e
saudou-o: salve, José, meu querido pai, ancião bondoso e bendito”. Ao que
José retrucou:”Salve, mil vezes, querido filho! Ao ouvir tua voz, minha
alma cobrou a sua tranquilidade (c.XVII).
Não
demorou muito e ocorreu o desenlace:”meu pai exalou sua alma com um
grande suspiro”(c.XXI). E conclui: “eu então, me atirei sobre o corpo de meu
pai José; fechei seus olhos, cerrei sua boca e levantei-me para
contemplá-lo”(c..XXIV). No momento em que é levado ao túmulo, comenta
Jesus:”Veio-me à mente a recordação do dia em que me levou ao Egito e das
grandes tribulações que suportou por mim. Não me contive e lancei-me sobre seu
corpo e chorei longamente”(c.XXVII).
Por fim,
Jesus terminando sua narrativa, faz um pedido aos apóstolos:”Quando fordes revestidos de minha força e receberdes o Sopro de
meu Pai, isto é, do Espírito Paráclito e fordes enviados a pregar o evangelho,
pregai também a respeito de meu querido pai José”(c.XXX).
Com esta
pequena reflexão estamos cumprindo o mandato de Jesus. Oxalá São José acompanhe
com sua força e carinho paterno os milhares que estão nas UTIs lutando por suas
vidas, contra este terrível ataque que a Mãe Terra desferiu contra a
humanidade, mandando-nos o Covid-19 como sinal: não prolonguem o estilo
de vida consumista e devastador dos bens e serviços limitados da natureza;
assumam um novo modo sustentável de vida e estabeleçam um laço de amor e de
respeito para com a natureza e para com todos os seus seres, nossos irmãos e
irmãs, dentro da Casa Comum, o planeta Terra, nossa grande e bondosa Mãe.
Leonardo
Boff escreveu São José: o pai, o artesão e o educador,
Vozes 2012.
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