Marcelo Barros
Este é o
segundo ano no qual celebramos o dia internacional da água em plena pandemia. Lavar
as mãos e cuidar mais da higiene pessoal são preocupações primárias para todos.
No entanto, como cumprir essas exigências sanitárias em um Brasil no qual água
e saneamento ainda parecem luxos aos quais grande parte das pessoas não têm
acesso?
Conforme dados oficiais, quase metade da
população do Brasil continua sem acesso a sistemas de esgotamento sanitário. Quase
100 milhões de pessoas, ou seja, 47% dos brasileiros, utilizam medidas
alternativas para lidar com os dejetos – seja através de uma fossa, seja
jogando o esgoto diretamente em rios. Além disso, mais de 16% da população, ou
quase 35 milhões de pessoas, não têm acesso à água tratada, e apenas 46% dos
esgotos gerados nos país são tratados.
O fato da ONU
consagrar o dia 22 de março como “Dia
internacional da Água” nos recorda que, além da pandemia, vivemos uma crise
que abrange toda a humanidade e afeta o planeta Terra. O modo de organizar o
mundo, baseado na exploração de seres humanos e na destruição da natureza não
tem mais sustentação. Dos mais de sete bilhões de pessoas que habitam a face do
planeta, apenas 1% goza os privilégios desta sociedade consumista e predadora
da humanidade e da Terra.
A consciência
dos limites do planeta começou surgir a partir da década de 60, mas
aprofundou-se na década de 70 e generalizou-se a partir da década de 80. Entre
todos os bens da Terra e da Vida, o mais ameaçado é a Água. É o maior problema
ecológico de nossos tempos e é motivo de conflitos e guerras entre vários povos
em quase todos os continentes. Se um bilhão e duzentos milhões de seres humanos
não têm acesso à água potável e milhões de crianças, em muitos países pobres,
morrem em conseqüência do uso de águas impróprias para a saúde, não podemos
mais não cuidar com prioridade desta questão. O uso que a sociedade faz da água
aumenta sempre. Enquanto isso, por causa da poluição e do aquecimento global,
os rios diminuem de volume normal. Muitos estão agonizantes, como o São
Francisco. Na região amazônica, grandes rios contaminados por mercúrio. Em
Minas Gerais e outras regiões do país, rios mortos pelos elementos tóxicos
jogados pelas barragens das mineradoras. A cada dia, em todas partes, as fontes
de água diminuem e o uso das águas continua predatório.
Essa realidade
ainda se torna mais problemática porque a sociedade capitalista transforma a água
em mercadoria e a privatiza. Empresas como a Coca-Cola, a Nestlê e Danoni se
tornam donas de fontes de águas. Atualmente, todas as fontes minerais da cidade
de São Lourenço, MG e a própria água que serve à cidade são propriedade
particular da Coca-cola e são vendidas como mercadoria.
Muitos grupos
da sociedade civil têm se mobilizado contra este crime. O Uruguai conseguiu
passar uma lei na nova Constituição Federal que proclama claramente: “A Água é uma necessidade e direito de todos
os seres vivos. Por isso, não poderá ser privatizada nem mercantilizada”.
A resistência
contra a mercantilização da água continua difícil e violenta. Basta lembrar a
lei que privatiza o saneamento, lei sancionada pelo atual presidente em 15. 07.
2020. Mas, a organização da sociedade civil mais consciente e os grupos
ecológicos não descansam. Grupos organizados aceitam pagar os serviços da
empresa que nos traz água até em casa, mas não pagar pela água.
Na Itália, em
2004, as comunidades se organizaram e conseguiram obter uma grande vitória:
obrigaram 136 prefeituras a retirar a deliberação – já muitas vezes,
implementada – de privatizar a água. De lá para cá, a luta se ampliou e
espalhou-se por outras regiões e países.
É importante
que todos/as tomem consciência do problema. É urgente educar-se e educar os
seus a tomar todo cuidado para poupar água, proteger rios e fontes próximos à
sua casa ou em sua região. Além de cuidar do consumo da água na própria casa e
outros espaços que frequenta, quem tem possibilidades, pode formar espontânea e
civilmente comissões de defesa das bacias hidrográficas, previstas em lei
federal ou participar ativamente nos Comitês de Bacias Hidrográficas onde eles
já foram implementados.
No Brasil e em
todo o mundo existem várias organizações consagradas à luta pela democratização
da Água. Elas pedem à ONU que proclame a Água como bem comum da humanidade e
direito universal de todo ser vivo. Em todas as regiões, se podem participar
dessas associações. Assumir, individual e coletivamente, a responsabilidade desta questão vital e
juntar-se a todas e todos que se propõem
a ser Guardiões da Água é fazer com que a Paz e a Justiça possam ocorrer no
mundo.
Marcelo Barros, monge beneditino e escritor, autor de 57 livros dos quais o mais recente é "Teologias da Libertação para os nossos dias", Ed. Vozes, 2019. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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