FREI ALOÍSIO FRAGOSO
(30/03/2021)
Nossa última Reflexão provocou algumas
fortes reações de leitores e leitoras, algo como "doeu na
consciência", reações que, por sua vez, sugerem um feed-back. Eis algumas:
"Seu artigo me tocou. Sempre fui contra a neutralidade. Lavar as mãos é a pior alternativa" -
"Desculpe-me a expressão, mas foi um soco no estômago de muitos que ficam
encima do muro". - "Que palavras duras! Espero que cutuquem a minha
consciência, despertando culpa, mas também compaixão com minhas limitações.
Carrego a culpa do mundo nas costas, e sinto que isso às vezes me
paralisa."
O autor confessa que é o primeiro a entrar
na fila dos penitentes: "mea culpa, mea culpa." Não foi seu intento
fazer sermão de justo a pecadores, foi, antes, alertar as consciências, a
começar pela que Deus lhe deu.
Quem é que, algum dia, já não "lavou
as mãos na bacia de Pilatos, expulsando a voz da consciência, encenando o velho
ritual de desculpas eloquentes: "sou inocente do sangue deste justo"!
Mt.27,24.
Dito isto, iniciemos nosso ato penitencial.
Tomemos assento na Última Ceia de Jesus com os apóstolos. Se quisermos imaginar
o cenário original, contemplemos a pintura de Leonardo da Vinci. Ele retrata a
reação dos apóstolos no exato momento em que Jesus anuncia "um de vocês
vai me trair".
Que tipo de gente se encontra ali diante
do Mestre? - Um grupo de homens medrosos e covardes. Jesus não lhes poupa
advertência: "na hora mais difícil, vocês todos vão me abandonar".
No entanto, são eles que estão ali,
convidados a repartir o pão da Páscoa. Há só um que não pode ficar. É aquele
que se esconde na neutralidade, entre o Cenáculo e o Sinédrio, entre o beijo
disfarçado da noite anterior e o não querer faltar a esta Ceia Pascal. Jesus
lhe sussurra: "o que tens a fazer, faze-o agora", uma maneira menos
dura de dizer: "retira-te"! Judas sai. Os demais se refazem. Tem
início a Ceia.
É com este material humano que o Filho de
Deus conta. Ele não se fez acompanhar por uma legião de anjos ou por uma
milícia de super-homens. Mas escolheu os
que encontrou pelo caminho, de coração aberto, pés livres, mãos desatadas,
intenção pura e coração de pobre. Com estes usará de infinita paciência, até
convertê-los em novos homens, de pescadores de peixes em pescadores de almas, de amedrontados em apaixonados. Numa luta entre forças
desiguais, só se pode confiar em combatentes tomados de paixão.
Deprimidos pela crucifixão do seu Mestre,
os apóstolos desertaram. E não sairiam de sua letargia, se não fossem sacudidos
por uma Força Superior. Esta irrompeu sobre eles em forma de fogo ardente,
manifestação do Espírito de Deus. Estas duas chamas acesas, a da paixão e do
Espírito os conduzirão até o fim, até as
últimas consequências. O legado do Mestre é uma Semente a que chamam Boa
Notícia, e que traz no seu interior uma promessa: "tornar-se-á uma árvore
frondosa onde os pássaros virão fazer seus ninhos" Mt.13,32.
A paixão é comum a todos eles, o que não
significa que as forças são niveladas. Paulo se mostra extremamente destemido.
Pedro fraqueja algumas vezes. Tiago se antecipa aos demais no martírio.
André, Filipe e os outros se espalham no
anonimato. Cada qual com seu carisma e talento. Ao final, nenhum recuou diante
do martírio.
Esta é a Semente que chegou às nossas
mãos. Ela se nutre da Graça e cresce pelos nossos cuidados. Seus frutos, seus
êxitos não necessitam de celebrações triunfalistas, mas sim de reencontros na Ceia Pascal. Aí reviveremos a
memória do Senhor Ressuscitado, e nos revestiremos com a armadura da Paixão e da Fé.
"O Senhor me disse: basta-te a minha
graça, pois é na tua fraqueza que meu poder se manifesta totalmente. É por isso
que me animo nas tribulações, nas adversidades, nas perseguições pela Causa do
Cristo, pois quando pareço fraco, aí é que sou forte" Cf.2Cor.9-19.
Frei Aloísio Fragoso é frade
franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.
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