Marcelo Barros
Neste momento
de repique ou de novo pico da pandemia em todo o país, governos estaduais
decretam lockdwons; comerciantes se preocupam em não lucrar tanto. E, aliado implacável
do governo federal, o vírus continua matando. O papa Francisco tem repetido que
“não podemos sair desta pandemia como
entramos”.
Por trás dessa
afirmação está o fato de que, em quase todo o mundo, a sociedade não estava
preparada para enfrentar uma pandemia. Sistemas de saúde desarticulados. A
própria vacina que deveria ser considerada bem comum de toda a humanidade se
tornou motivo de concorrência entre empresas e mesmo entre países.
Apesar de que a
maioria dos estudos liga a difusão do vírus à destruição do ambiente natural do
planeta e à crise ecológica, o governo parece irredutível no seu propósito de
construir novas usinas nucleares e desta vez na pequena cidade de Itacuruba, às
margens do rio São Francisco, no sertão de Pernambuco, às margens do rio São
Francisco.
Se essa
tragédia humana e ecológica se consumar será a segunda grande agressão aos
pobres habitantes daquela região. Na segunda metade da década de 1980, os
habitantes da cidade de Itacuruba ficaram sabendo que iriam ser deslocados pela
Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF) para a instalação da Usina
Hidrelétrica de Itaparica. A velha cidade ficou debaixo d’água e seus moradores
foram reassentados em uma “nova” cidade. A população viu comprovado o
descumprimento das promessas, os insucessos das medidas mitigadoras e as
diversificadas formas de fazer as pessoas de bobas. O slogan da campanha da
CHESF tinha sido “Mudar para melhor”. Para saber os efeitos reais daquele êxodo
forçado, basta saber que, ainda em 2006, portanto 30 anos depois do
deslocamento, o Conselho Regional de Medicina de Pernambuco (CREMEPE), apontava
que, em todo o Brasil, Itacuruba era a cidade com o maior índice percentual de
suicídios e detinha 63% de sua população com algum problema de sofrimento mental.
É nessa cidade
e com esse quadro histórico que o Ministério de Minas e Energia (MME) decidiu
construir a Central Nuclear do Nordeste, com seis reatores nucleares e
capacidade total de 6.600 megawatts elétricos. Para isso conta com um
investimento de R$ 64,404 bilhões. Quanto ao que isso significará para a
população do entorno e para a toda a região e o ecossistema, o Ministério fala
muito pouco.
Além do debate
ambiental do que significam usinas nucleares, a estocagem de lixo radioativo e a
real possibilidade de acidente às margens do São Francisco, todos os poderes
envolvidos sabem que a legislação de Pernambuco proíbe a construção de usinas
nucleares “enquanto não se esgotar toda a
capacidade de produzir energia hidrelétrica e energia oriunda de outras fontes”.
Ora, durante anos, Pernambuco tem sido o sexto maior produtor de energia eólica
do país. Conforme dados da Abeeólica,
tem o terceiro maior fator de capacidade de geração de energia. Além
disso, uma possível justificativa seria o esgotamento da produção de
eletricidade. Todos sabem que isso está longe de ocorrer. Portanto, não há
nenhuma razão que justifique usina nuclear no Nordeste, menos ainda nas margens
do rio São Francisco que não merece tal castigo.
Remanescentes
de Quilombos que vivem no município de
Itacuruba, como os grupos Negros de Gilu, Ingazeira e Poço dos Cavalos e
os Pankará no Serrote dos Campos, Tuxá
Campos e Tuxá Pajeú, os três povos indígenas que, desde tempos imemoriais,
convivem com aquela terra, se unem aos movimentos e diversas organizações
sociais e políticas que protestam contra essa política, na qual os poderosos
continuam impondo seus interesses sem levar em conta o povo da região e a
natureza.
Em profunda
solidariedade ao povo de Itacuruba e aos grupos ameaçados, Dom Gabriele
Marchesi, bispo de Floresta, a diocese a qual pertence a paróquia de Itacuruba
e toda a Igreja Católica, representada pela CNBB Nordeste II, formada por 21
arquidioceses de quatro estados, se juntou à Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB) e se manifestam contrários à instalação do empreendimento e a escolha do
sertão nordestino como destino da nova usina.
Uma usina é
nuclear quando para gerar eletricidade utiliza o calor proveniente da fissão
dos átomos do urânio. O urânio é um recurso mineral não renovável encontrado na
natureza, que pode se usado para produzir eletricidade e pode também ser usado na
produção de armamentos, como a bomba atômica. O maior problema das usinas
nucleares é que os riscos da utilização da energia nuclear são imensos. E além
do risco de acidentes nucleares, há o grande problema do descarte do lixo
nuclear (resíduos compostos de elementos radioativos, gerados nos processos de
produção de energia). Além disso, a contaminação do ambiente provoca danos
irreversíveis à saúde, como câncer, leucemia, deformidades genéticas, etc.
Em 2016, a Conferência Episcopal do Japão (CBCJ)
fez um apelo ao mundo para o fim da produção de energia nuclear. Em 2020, foi
publicado em inglês o livro: “Abolição
da energia nuclear: um apelo da Igreja Católica no Japão” e o livro foi
lançado na presença do papa Francisco no Vaticano em julho de 2020.
O Japão é um
país que sofre até hoje consequências das duas bombas atômicas jogadas pelos
norte-americanos em Hiroshima e Nagazaki em 1945 e há poucos anos sofreu o
vazamento de uma usina nuclear. Precisamos, nós, aqui no Brasil, evitar esse
caminho. Temos de concretizar assim a nossa defesa da vida e o cuidado com a
Mãe Terra e com o nosso povo.
Marcelo Barros, monge beneditino e escritor, autor de 57 livros dos quais o mais recente é "Teologias da Libertação para os nossos dias", Ed. Vozes, 2019. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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