Frei Betto
Terça, 10
de maio de 2005, São Paulo, capital. A pedido de Olavo Setúbal que, com
frequência, me convidava para almoçar na sede do banco Itaú, no Jabaquara,
daquela vez levei João Pedro Stédile, dirigente do MST. Homem culto e aberto, o
banqueiro já me havia dito que preferia conversar com quem não pensava como
ele.
No
pequeno recinto improvisado em bistrô, Setúbal indagou de Stédile: “O que pensa
do presidente Lula?” João Pedro enumerou os avanços do governo do PT e admitiu
o atraso na reforma agrária. E devolveu a pergunta: “E o senhor, o que pensa de
Lula?” “Uma decepção” – disse o banqueiro – “para quem esperava algo dele. Como
eu não esperava nada, considero-o um gênio, um gênio!”, repetiu enfático.
Setúbal
tinha razões para tanto entusiasmo. Em pouco mais de dois anos de governo, o PT
havia reduzido o desemprego, aumentado o salário mínimo acima da inflação e o
poder de consumo da população e segurado a inflação.
Em 17 de
fevereiro de 2004, a “Folha de S. Paulo” e a UOL haviam anunciado que
“nunca os bancos brasileiros lucraram tanto como no primeiro ano do
governo Lula. As duas maiores instituições privadas do país encerraram 2003 com
os maiores resultados positivos da sua história.” E “O Globo” destacou em 25 de
fevereiro de 2011: “Na Era Lula, bancos tiveram lucro recorde de R$ 199
bilhões”.
Agora, em
25 de junho, em entrevista à TV 247, o ex-ministro da Fazenda Guido
Mantega afirmou que “o golpe contra Dilma Rousseff foi resultado das políticas
dos governos petistas que levaram à redução das margens de lucro do grande
capital, nacional e internacional”. E acrescentou: “Em 2011, começamos a
interferir na entrada de capital volátil. Taxamos o mercado de derivativos, que
é onde a coisa pega, onde se tem um conjunto grande de investimentos. Então, os
capitais que vinham aqui, com a vida fácil, ganhar todo esse lucro, passaram a
não ter mais esse lucro. Compramos uma briga com cachorro grande, com os
grandes fundos internacionais e o capital financeiro internacional”.
A
conspiração para derrubar Dilma teve início quando os bancos públicos passaram
a ganhar competitividade em relação aos bancos privados, cujos lucros caíram.
“Depois, em 2012-2013, começamos a atacar o spread dos bancos.
Liberamos os bancos públicos para colocar mais crédito na economia com juros
menores, fazendo concorrência. Os bancos privados baixaram o spread a
contragosto. Fizemos inclusive uma campanha contra as tarifas dos bancos, que
eram enormes no Brasil”, lembrou Mantega.
Diante
disso, “começou a ter matérias na The Economist e no Financial
Times criticando a nossa gestão, dizendo que estávamos intervindo.
Eles estavam respondendo aos interesses do grande capital internacional. E os
bancos locais também ficaram possessos com as nossas atividades, porque foi a
primeira vez que o lucro deles começou a cair. Os bancos brasileiros tinham
lucros maiores até que os bancos americanos, proporcionalmente”.
A
pergunta é pertinente: haverá futuro para o Brasil e o mundo enquanto o capital
financeiro tratar o planeta como um imenso cassino e perseguir, como prioridade,
o aumento de sua riqueza privada?
Parece
que a resposta é não. Segundo o Relatório de Riqueza Global, divulgado em 24 de
junho pelo banco Credit Suisse (o que tornam os dados insuspeitos), em 2020
quase metade da riqueza total do Brasil (49,6%) ficou em mãos do 1% mais rico
da população (pouco mais de 2 milhões de pessoas). Vinte anos atrás esse
segmento privilegiado detinha 44,2%. No âmbito global, 10% mais ricos
concentram em mãos 82% da riqueza mundial, sendo que quase a metade (45%) em mãos
do 1% superprivilegiados.
Apenas a
Rússia concentra mais riqueza que a elite do Brasil. Isso poderia ser corrigido
pela atual reforma tributária, que dá um tímido passo ao tributar dividendos
dos acionistas de empresas. Deveria também, para ser efetiva, isentar
todos que ganham, por mês, até 10 salários mínimos; adotar o imposto
progressivo; cobrar Imposto Territorial Rural das propriedades do campo; e
tributar as heranças, exceto pequenos valores.
Pesquisa
recente do Datafolha para a Oxfam Brasil constatou que a maioria dos
brasileiros (56%) é favorável a aumentar a tributação dos mais ricos para
financiar políticas sociais e, assim, reduzir a desigualdade social. E nove em
cada dez pesquisados defendem que a prioridade do governo deveria ser a redução
da desigualdade social.
Quando a
humanidade se convencerá de que os direitos humanos devem prevalecer sobre os
supostos direitos do capital privado?
Frei Betto é escritor, autor de “Minha avó e seus
mistérios” (Rocco), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org
Frei Betto é autor de 69 livros, editados no Brasil
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