FREI ALOÍSIO FRAGOSO
(10/07/2021)
"Por tudo, dai graças a Deus"
1Ts.5,18.
Esta manhã uma andorinha pousou no
parapeito da minha janela e fez o que não devia ter feito, o que tinha o
universo inteiro pra fazer, a saber, sujou minha camisa branca, recém lavada e
exposta ao sol. Pela vida da andorinha, dei graças a Deus, mas, pelo seu
procedimento, soltei um palavrão que decerto ela não entendeu, mas entendem os
leitores: "droga!". Se este exemplo é pequeno demais para o tamanho
do tema sugerido, reportemo-nos a um
acontecimento próximo e recente: as chuvas intermitentes, intermináveis que
inundaram a cidade e frustraram os planos de passeios, pique-niques, viagens de
férias, visita a parentes distantes. Estas mesmas chuvas também banharam e
fertlizaram as terras do campo, que fornecerão alimento para uns e outros. Os
primeiros encontraram motivo de maldizer o "mau tempo", enquanto os
outros louvaram ao Criador pelas chuvas
benfazejas.
O que responder a S.Paulo, que nos
recomenda "por tudo dai graças a Deus"?
Duas enormes catástrofes se abateram
sobre o nosso país. A pandemia do coronavirus, com seu séquito de mais de
500.000 mortes rápidas e brutais. E a outra tragédia, maior e mais mortífera: a
chegada ao poder supremo da nação daqueles que agora ocupam o Planalto. O que
daí resultou foram milhões de filhos e
filhas da pátria condenados a uma morte lenta, previsível e camuflada, causada
pelo virus cotidiano da fome.
Resultaram também impactos na Fé de muitas
pessoas. Seria uma saída sacrílega anular todas as dúvidas com uma confissão de
fé do tipo: "seja feita a vontade de Deus".
Sobre isso a Bíblia traz um exemplo
clássico, na pessoa de Jó. Ele reage à notícia de que suas propriedades foram
violentamente devastadas, com uma confissão de fé incondicional: "O Senhor
me deu, o Senhor me tirou. Bendito seja o nome do Senhor". Mas, com a
sequência de outras tragédias, violentando sua família e seu próprio corpo, Jó
muda de tom, e extravaza suas emoções em forma de protesto. Primeiro, maldiz o
seu nascimento: "por que não pereci nos joelhos de minha mãe,?". A
seguir, confronta os amigos: "deixem-me sozinho, vocês não entendem a dor
de um homem ferido pelas flechas do Altíssimo!". E por fim interpela Deus:
"o Senhor vai destruir a obra de suas mãos?". Depois de muitas
inúteis imprecações, ele se humilha: "oh Deus, até hoje eu te conhecera
por ouvir dizer, mas agora te reconheço com os meus próprios olhos.
Perdoa!"
De
que Jó se arrepende? De sua revolta? De suas imprecações? Não. Ele não confessa
que estava errado, mas sim que se deixou cegar pela dor. Demorou a perceber que
Deus já tinha entrado em campo, já o armara de novas e suficientes forças, que
sua vida passada tinha de ser mudada em vida futura.
Nestes 15 meses longos e sombrios de
pandemia, somos testemunhas do grande aumento numérico de pessoas voltadas para
Deus, em busca de respostas, não respostas morais, doutrinárias, mas sim
existenciais, vitalizadoras. Descartada a blasfêmia de ver intenção punitiva de
Deus nessa catástrofe, não cessemos de dar-lhe graças pelas lições havidas e
aprendidas:
Mais uma vez seus filhos e filhas provaram
que jamais se rendem a uma grave ameaça contra seu destino. E provaram também
que, a despeito das aparências e do ceticismo da maioria, há neles mais a
admirar do que a desdenhar. Mostraram ainda como há milhões de anjos da bondade
agindo no silêncio e na surdina, ao contrátio dos demônios, que precisam de palco
e publicidade. E assim ficou patenteado que, no duelo entre o medo da morte e
dom da vida, esta última está ganhando bonito, graças a Deus, para a sua glória
e o bem do seu povo. Amém!
(Com esta matéria dou por encerrada essa
série
de reflexões e passo a contatar a gráfica para
iniciar a elaboração do segundo volume
de "A Fé em Tempos de Coronavirus". Rendo graças a Deus pelo dom que
me inspirou e pelos amigos e amigas que acolheram generosamente suas
inspirações.)
-Frei
Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor
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