Leonardo Boff
Tenho
sustentado a tese de que o Covid-19 é um contra-ataque da Mãe-Terra contra o
sistema do capital e de sua expressão política, neoliberalismo.Ela foi agredida
e devastada de tal maneira que nos enviou uma arma sua, invisível, o
coronavírus, como um alerta e um lição. A se perpetuar a guerra contra o
planeta, este poderá não nos querer mais. Um vírus mais letal, imune a qualquer
vacina pode,eventualmente, exterminar grande parte da humanidade.
Tal
singularidade não é impossível pois este sistema de morte de seres da natureza
e de seres humanos, no dizer do Papa Francisco, possui uma tendência
suicidaria. Prefere correr o risco de morrer a de renunciar à sua voracidade.
Este
conto, tirado de Len Tolstói (1828-1910), narrado aos peões de sua fazena
Isnaya Poliana com o título De quanta Terra precisa um
homem, nos poderá fazer refletir.
“Hávia
um camponês que trabalhava num pedaço de terra não muito fértil. Labutava muito
mas sem muito fruto. Invejava os vizinhos que tinham terras maiores e
safras mais abundantes. Aborrecia-se sobremaneira pelos pesados tributos que
devia ainda pagar sobre o pouco de terra e dos parcos ganhos.
Um
dia pensou muito e resolveu: “vou com minha companheira, para longe daqui, em
busca de terras melhores”. Soube que a muitas léguas de sua casa, havia
ciganos que vendiam terras muito baratas e até por preços irrisórios quando
viam alguém mais necessitado e disposto a trabalhar.
Esse
camponês, desejoso de possuir mais a mais terra para cultivar e ficar
rico, pensou: “vou fazer um pacto com o diabo .Este vai me dar sorte”, disse
ele à mulher, que torceu o nariz. Advertiu ela:
“Meu
marido, cuidado com o diabo, nunca sai coisa boa fazendo um pacto com ele; essa
sua cobiça,vai ainda pô-lo a perder”.
Mas,
por insistência do marido, resolveu acompanhá-lo para realizar o seu ambicioso
projeto.Com tal que partiram, levando poucos pertences.
Chegando
nas terras dos ciganos, eis que o diabo já estava lá, todo apessoado, dando a
impressão de um influente mercador de terras. O camponês e sua mulher
cumprimentaram educadamente os ciganos. Quando iam expressar seu desejo de
adquirir terras, o diabo, sem cerimônias, logo se antecipou e
disse:
“Bom
senhor, vejo que veio de longe e é tomado por um grande desejo de possuir boas
terras para plantar e fazer alguma fortuna. Tenho uma excelente proposta para
você. As terras são baratas, ao alcance de seu bolso. Faço-lhe a seguinte
proposta: você deixa uma quantia razoável numa bolsa aqui ao meu lado. Se você
percorrer um território durante todo um dia, do nascer ao pôr do sol, e estiver
de volta antes de o sol s pôr, toda a terra percorrida será sua. Caso contrário
perderá o dinheiro da bolsa”.
Os
olhos do camponês, brilharam de emoção e disse:
“Acho
uma excelente proposta. Tenho pernas fortes e aceito. Amanhã bem cedo, ao
nascer do sol, ponho-me a correr e todo o território que minhas pernas puderem
alcançar, será meu”.
O
diabo,sempre,malicioso, sorriu todo faceiro.
De fato,
bem cedo, mal o sol rompeu a fímbria do horizonte, o camponês, se pôs a correr.
Pulou cercas, atravessou riachos e e não satisfeito, sequer parou para
descansar. Via diante de si uma ridente planície verde e logo pensou: “aqui vou
plantar trigo em abundância”. Olhando à esquerda, se descortinava um vale muito
plano e pensou: “aqui posso fazer toda uma plantação de linho para roupas
finas”.
Subiu,
um pouco ofegante, uma pequena colina e eis, que lá em baixo, surgiu um campo
de terra virgem. Logo pensou:”quero também aquela terra. Aí vou criar gado e
ovelhas e vou encher as burras com dinheiro a mais não poder”.
E
assim percorreu muitos quilômetros, não satisfeito com o que tinha conquistado,
pois os lugares que via, eram atraentes e férteis e alimentavam seu desejo
incontido de também possui-los.
De
repente olhou para o céu e se deu conta de que o sol estava se pondo atrás da
montanha. Disse de si para consigo mesmo:
”Não
há tempo a perder. Tenho que voltar correndo, senão perco todos os terrenos
percorridos e, por cima, ainda o dinheiro. Um dia de dor, uma vida de amor”,
pensou como dizia seu avô.
Pôs-se
a correr com uma velocidade desmedida para suas pernas cansadas.Mas tinha que
correr sem reparar os limites dos músculos retesados. Chegou a
tirar a camisa e largar a sacola com um pouco de comida. Sempre olhava a
posição do sol, já perto do horizonte, enorme e vermelho como sangue. Mas não se
havia ainda posto totalmente. Mesmo cansadíssimo, corria mais
e mais e já nem sentia as pernas de tanto se esforçar. Pesaroso pensou: “talvez
abarquei demais e posso perder tudo. Mas vamos em frente”.
Vendo,
porém, ao longe o diabo, solenemente, de pé e ao seu lado a sacola de
dinheiro, recobrou mais ânimo, certo de que iria chegar antes de o sol se pôr.
Reuniu todas as energias que possuía e fez um derradeiro esforço. Corria, sem
pensar nos limites das pernas, quase voando. Não muito longe da chegada,
atirou-se para frente, quase perdendo o equilíbrio.Refeito, deu ainda
alguns passos longos.
Foi
então que, extenuado e já sem nenhuma força, se estatelou no chão. E
morreu. A boca sangrava e todo o corpo estava coberto de arranhões e de suor.
O
diabo, maldosamente, apenas sorriu. Indiferente ao morto e ganancioso, olhava
para a bolsa de dinheiro. Deu-se ainda ao trabalho de fazer uma cova do
tamanho do camponês e ajeitou-o lá dentro. Eram apenas sete palmos de
terra, a parte menor que lhe cabia de todos os terrenos andados. Não precisava
mais que isso. A mulher, como que petrificada, assistia a tudo, chorando
copiosamente”.
Esse
conto reverbera as palavras de João Cabral de Melo Neto (1920-1999) em
sua obra Morte e Vida Severina (1995). No funeral do lavrador
diz o poeta:”Esta cova em que estás, com palmos medida, é a conta menor que
tiraste em vida; é a parte que te cabe deste latifúndio”.
De todos
os terrenos atraentes que via e desejava possuir, ao ávido camponês, no
final, só lhe restou os sete palmos para a sua sepultura.
Não seria
este o destino do capitalismo e do neoliberalismo?
Leonardo
Boff escreveu:Covid-19: A Mãe-Terra contra-ataca a humanidade:
advertências da pandemia, Vozes 2020.
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