Marcelo Barros
Nestes dias, a Igreja Católica ocupa manchetes da
imprensa internacional com duas notícias. A primeira conta que, na 4ª feira, 17
de junho, Dom Paul Gallagher, responsável no Vaticano pelas relações com os
outros Estados, entregou à embaixada italiana junto à Santa Sé nota que pede ao
governo italiano que rejeite uma lei que está em tramitação no Senado. Trata-se
da lei que considera crime a homofobia e declara ilegal qualquer manifestação
cultural, política ou religiosa que incite pessoas à discriminação sexual e à homofobia
(Cf. Corriere
de la Sera, 22/06/ 2021).
Mesmo com tantos gestos e palavras do papa a favor dos
migrantes, o Vaticano nunca entrou com medida diplomática contra medidas
racistas e xenofóbicas do governo italiano. Agora, protesta contra esta lei.
Ela impediria colégios católicos e paróquias fazerem propaganda contrária a
eventos como o chamado “dia nacional contra a homofobia”. Conforme o Vaticano,
impedir que escolas e paroquias continuem pregando contra a diversidade sexual
é atentar contra a liberdade religiosa da Igreja.
O governo italiano respondeu ao Vaticano: A Itália é
um país laical, aberto a todas as religiões, mas não preso a nenhuma.
Outra notícia é que, também nestes dias, em Washington,
a assembleia dos bispos dos Estados Unidos aprovou por maioria um documento que
exclui da comunhão eucarística católicos/as que, de alguma forma, se manifestem
favoráveis a qualquer tipo de aborto, mesmo o terapêutico. Desde a eleição de
Joe Biden, esse é o assunto mais importante para muitos bispos católicos do
país (Cf. Público, Lisboa, 21/06/2021).
A maioria desses bispos nunca se manifesta sobre uma
estrutura social e política que cria 44 milhões de pessoas mergulhadas na
pobreza. Eles não protestam contra a polícia que a cada dia mais agride, fere e
até mata pessoas negras. Nunca negaram comunhão a presidentes que provocam guerras
e matam milhares de pessoas apenas para ter mais aprovação nas pesquisas de
opinião. Nunca pensaram em negar a comunhão a pessoas racistas, mas quando o
assunto é aborto, união gay ou moral sexual, surtam.
Pesquisas revelam que, nos Estados Unidos, a maioria
dos católicos não concorda com a posição oficial da Igreja sobre ética sexual. No
mundo inteiro, quando o assunto é sexo, essa divisão entre pastores e fiéis
aumenta. O papa fala em sinodalidade e consulta às bases, mas há assuntos tabus
sobre os quais muitos pastores não aceitam dialogar.
No mundo inteiro, bispos e padres são, em sua maioria,
pessoas éticas e corretas. No entanto, na estrutura do clero, ainda vigora uma
cultura de preocupação com aparência e moralismo hipócrita que não favorece o
testemunho do evangelho de Jesus. No Brasil, vivemos situações políticas sobre
as quais é impossível calar totalmente. No entanto, a maioria dos
pronunciamentos episcopais sobre política repete generalidades sobre justiça e
direito. O povo percebe que muitos bispos e padres só se pronunciam de modo
claro e forte quando o assunto é ligado à moral sexual, como dominados por uma
obsessão sexual que não deixa de ser doentia.
Quem vai além da leitura fundamentalista da Bíblia
sabe que não pode aplicar literalmente preceitos tribais da cultura antiga às
realidades de hoje. Em nossos dias, poucos grupos cristãos se pronunciam contra
a transfusão de sangue, porque a Bíblia proíbe. Ninguém defende a escravidão
porque a Bíblia permite. Como explicar que ainda haja bispos e padres que usam
argumentos bíblicos para explicar sua homofobia? Poderiam ouvir de Jesus o que
aqueles doutores da lei que condenavam a mulher adúltera escutaram: “Quem não
tiver pecado, atire a primeira pedra”.
Por falar em pecado, Jesus acusa de pecado os
religiosos do templo com sua santidade arrogante e sua idolatria do poder
divinizado. Sobre ética sexual, nenhum dos quatro evangelhos registram qualquer
palavra direta de Jesus sobre o assunto. Nenhuma perícope do Antigo ou do Novo
Testamento trata de homoafetividade ou de algum problema de Ética Sexual para a
sociedade atual. Legitimar homofobia ou se posicionar contra a diversidade
sexual a partir da leitura de textos bíblicos fora do seu contexto é repetir o
formalismo farisaico que Jesus condenou, ao dizer aos discípulos: “Ouvistes o
que foi dito aos antigos. No entanto, agora, eu vos digo outra coisa...”.
Neste XIII Domingo comum do ano B, Marcos conta duas curas
que Jesus fez (Mc 5, 21- 43). Toma a reanimação da menina, filha de Jairo como
moldura da cena central. Esta foi a cura da mulher anônima que sofria de
hemorragia e por isso era marginalizada e considerada pecadora. O evangelho faz
daquela mulher símbolo de toda pessoa que a lei condenava. Em nossos dias, ainda
há pessoas consideradas impuras pela religião ritual. São as que se identificam
como LGBTQI+. São vítimas de discriminação e violência. A sociedade parece
querer sufocar nas pessoas diferentes as inseguranças que a maioria dos homens
não quer enfrentar interiormente.
É uma contradição escandalosa: Igrejas cristãs que
deveriam ser sacramentos de humanização amorosa legitimam discriminações e
violências. Não se trata de perdoar as pessoas LGBTQI+ porque elas não
cometeram pecado algum. Ao contrário, ajudam a humanidade a assumir a
diversidade de gêneros como contribuição à fraternidade humana que o Papa
Francisco propõe na Fratelli Tutti. Se as Igrejas querem mesmo ser instrumentos
de amor e unidade da família humana, precisam reconhecer, respeitar e valorizar
a identidade sexual e a orientação de gênero de todas as pessoas. Cada uma
delas merece ouvir os ministros de Jesus os/as chamarem de filhos e filhas,
como Jesus chamou aquela mulher curada e agora integrada na comunidade.
Marcelo
Barros, monge beneditino e escritor, autor de 57 livros dos quais o mais
recente é "Teologias da Libertação para os nossos dias", Ed. Vozes,
2019. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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