Marcelo Barros
A vida é o que há de mais sagrado e está acima seja
dos interesses econômicos, seja mesmo dos preceitos religiosos.
Após quase um ano e meio da
Covid-19, já está evidente que Bolsonaro e seu governo colocaram a população
brasileira para se contaminar pelo coronavírus e fizeram isso de propósito,
cientes do risco à vida das pessoas. Durante meses e meses com o Brasil
mergulhado na pandemia, Bolsonaro boicotou a estratégia nacional de vacinação.
Apostou na infundada imunidade de rebanho por contágio. Nestes dias mais
recentes, ainda em meio a toda a tragédia desta pandemia, sem usar máscara, o presidente do Brasil passeia e promove “motociatas”
com seus apoiadores por algumas capitais do país.
A consciência da dignidade e
da igualdade de todos os seres humanos, assim como a compreensão de uma
cidadania universal é, de certa forma, recente. Para que tais conquistas possam
ter ocorrido, foi importante uma evolução da cultura. Hegel dizia que nós não
somos donos das nossas ideias. São as ideias que entram em nós e, então, têm um
poder transformador. A luta pelas ideias está na base das grandes lutas
emancipatórias da sociedade.
Uma das tragédias atuais é
ver que muitas vezes, as pautas mais retrógradas e claramente contrárias ao
interesse dos pobres chegam a ser apoiadas e defendidas até por parcelas mais
pobres da população. Ao se deixar orientar por meios de comunicação, controlados
pela elite, os pobres tendem a ser conservadores. Nos tempos antigos, as massas
defendiam a escravidão e o racismo. Hoje, muitos brasileiros apoiam governos
neofascistas. Revelam-se favoráveis à pena de morte, ao uso livre de armas de
fogo e à violência policial contra pobres e negros.
Esta realidade só mudará
quando a sociedade conseguir se organizar por grupos e comunidades que busquem
compreender com mais profundidade a realidade social. Movimentos sociais e
comunidades humanas de base são grupos que ajudam o povo a se tornar mais
consciente de ser povo como conjunto unido. No mundo romano antigo, o latim
fazia a distinção entre plebs (massa)
e populus (povo organizado). O
Concílio Vaticano II define que a Igreja é uma porção do povo de Deus (populus Dei) e não massa de fieis.
Infelizmente, na história,
muitas vezes, Igrejas e religiões foram contrárias aos grandes movimentos de
libertação e promoção humana. Nos séculos passados, muitos pastores e ministros
cristãos defenderam a monarquia contra a república. Consideravam a
superioridade masculina sobre as mulheres como vinda do próprio Deus. Eram contra
a igualdade de gêneros e contra a liberdade de expressão e de religião. Atualmente,
em todo o mundo, pastores e ministros ainda organizam cruzadas contra o direito
das pessoas à diversidade sexual. Acima de tudo, acham que religião deve estar
sempre ligada à direita política. Nos Estados Unidos, um presidente promove
golpes agitações sociais em outro país, mantém um bloqueio contra Cuba que já
dura mais de sessenta anos e decide o grau de tensão em países da Ásia. Se esse
presidente se pronunciar contra o aborto e contra a união gay contará com o
apoio explícito de muitos bispos, padres católicos e pastores evangélicos.
No Brasil, cristãos católicos
e evangélicos continuam dando apoio apoio político ao presidente da República,
em troca de benesses para as suas Igrejas. No evangelho, falou Jesus dos
escribas e fariseus: vestem roupas
religiosas, fazem longas orações, enquanto exploram as viúvas pobres (Mc 12,
39- 40). Hoje, esses doutores da
religião nem precisam explorar diretamente pobres e viúvas. Podem se
beneficiar de verbas que vêm diretamente da exploração dos pobres. Para eles,
mais vale uma boa reza do que a ética humana e social.
Precisamos com urgência
voltar ao evangelho de Jesus que afirmou: “O
sábado foi feito para o ser humano e não o ser humano para o sábado”. Mesmo
as leis mais sagradas devem servir à vida e à felicidade das pessoas. Ao
afirmar isso, Jesus enfrenta a tensão entre pessoa e sociedade. Claramente,
optou pelas pessoas. Revelou o amor divino aos pecadores públicos que eram
discriminados. Paulo escreveu: “Onde está
o Espírito Divino, aí há liberdade” (2 Cor 3, 17).
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