FREI ALOÍSIO FRAGOSO
(09/07/2021)
"Um Menino nos foi dado. Uma Criança
nasceu para nós. Deus-Forte é o seu nome"Is.9,5. Com estas palavras o
profeta Isaías sinalizava a vinda futura do Messias. Elas se tornaram
vaticínio, incentivo e farol para o Povo
de Deus, que fez delas um oráculo durante séculos de marcha forçada, na direção
da "terra prometida".
Elas valem ainda para nós, caminhantes
desta marcha lenta do coronavirus. Há mais de um ano temos estado sedentos de
palavras alentadoras. Contemplemos a imagem da Criança. Ela fala melhor do que
muitos discursos filosóficos e teológicos.
Quando éramos crianças, falavam-nos da
vida como um belo conto de fadas. Crescemos, ligamos a TV e passamos a conhecer
bruxas: o fingimento, a mentira, a corrupção, a maldade. Aprendemos novas
lições com mestres hábeis na arte de competir para ter poder, aprendemos que os
humildes são uns perdedores, que os honestos não sobem na escala social, que o
amor ao próximo é brega. E daí? Nossos
pais nos trairam? Devemos deixar que pereça asfixiada a antiga criança? Não!
Absolutamente! Chega a hora de fazer uma escolha decisiva: descartar ou
reativar aquela criatura original da primeira infância. Temos de voltar a ser
crianças? Sim e não. Não, no sentido da inocência (esta já perdemos para
sempre) e no sentido da ingenuidade (insustentável neste mundo de espertos).
Sim, no sentido de pureza de intenção, de rebeldia e teimosia. É admirável a
capacidade da criança de gritar até conseguir o que quer, de passar, num segundo,
do choro para o riso, e de se alegrar com qualquer divertimento. Não vimos nenhuma criança
deixar de ser criança durante a pandemia.
Não há dúvida que todo mundo adora uma
criança, todo mundo mesmo, desde os mais santos até os maiores tiranos, desde
S. Francisco até Adolfo Hitler. Há, no entanto, uma distância quilométrica
entre olhar a criança com o sentimento de ternura, pelo que ela é, e
respeitá-la pelo que ela pode vir a ser. O que ela é não ameaça ninguém,
enquanto o que ela deverá ser, a partir dela mesma, interpela e desafia a
sociedade em peso.
Foi o que fizemos durante a pandemia.
Livramos nossas crianças da visão dos horrores e temores provocados pelo virus,
deixamos que elas continuassem no seu direito de ser crianças. Porém fica
pendente a questão mais importante. O mundo que, logo mais, se reabrirá para
elas e para nós, será o mesmo de antes, onde milhões delas estão condenadas a
não ter infância, a não ter nenhum motivo de dar graças a Deus por ter nascido?
Adiamos por algum tempo nosso envolvimento
nesta polêmica. Voltamos a lembrar que a figura da Criança, neste momento,
passa a ser o melhor semáforo para a restauração de nossos planos de vida no
pós-pandemia. Afinal, é por elas que todas as gerações lançam-se no alicerce do
que se há de construir para o futuro. E já que, nestes 15 meses de covid, elas
não foram, nem convinha que fossem, protagonistas da história presente,
que voltem a ocupar o lugar que lhes
compete, a razão primeira do nosso presente em vista do futuro.
Nunca esqueci a última cena de um filme de
guerra a que assisti, faz alguns anos. Numa paisagem deserta, mas repleta de
escombros e ruínas, surge de repente uma criança a correr e brincar sobre os
destroços. Acendem-se as luzes do cinema e fica claro o recado do diretor: a
guerra destrói tudo, menos a Esperança.
Se nenhuma mudança excepcional brotar desta pandemia, se tiver sido fogo
fátuo a tímida profecia inicial, de que
"o mundo nunca mais será o mesmo", então, perdemos um capítulo da História.
Que nos reprove o eco das palavras de Jesus: "se não vos converterdes e
não fordes como as crianças, não tereis lugar no Reino de Deus". Mt.18,3.
Amém.
Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano,
coordenador da Tenda da Fé e escritor
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