Leonardo Boff
As grandes enchentes ocorridas na Alemanha e na
Bélgica em julho. mês do verão europeu, causando centenas de vítimas,
associadas a um aquecimento abrupto que chegou em alguns lugares a mais de 50
graus, nos obriga a pensar e a tomar decisões em vista do equilíbrio da Terra.
Alguns analistas chegaram a dizer: a Terra não se aqueceu; ela se tornou, em
alguns lugares, uma fornalha.
Isso significa que dezenas de organismos vivos não
conseguem se adaptar e acabam morrendo. Atualmente com o atual aquecimento que
no último século cresceu em mais de um grau Celsius, e se chegar, como
previsto, a dois graus cerca de um milhão de espécies vivas estarão à borda de
seu desaparecimento depois de milhões de anos vivendo neste planeta.
Entendemos a resignação e o ceticismo de muitos
meteórologos e cosmólogos que afirmam termos chegado tarde demais no combate ao
aquecimento global. Não estamos indo ao encontro dele. Estamos gravemente
dentro dele. Argumentam, desolados, temos pouco que fazer, pois o dióxido de
carbono já está excessivamente acumulado, pois, permanece na atmosfera entre
100 a 120 anos, agravado pelo metano,20 vezes mais tóxico, embora fique por pouco
tempo no ar. Por surpresa geral, ele irrompeu, devido ao degelo das
calotas polares e do parmafrost que vai do Canadá e atravessa toda a Sibéria.E
fez crescer o aquecimento global.
A intrusão do Covid-19, por ser planetário. nos
obriga a pensar e a agir de modo diferente. É notório que a pandemia é
consequência do antropoceno, quer dizer, do excessivo avanço agressivo do
sistema imperante, baseado no lucro ilimitado. Ele ultrapassou os limites
suportáveis pela Terra. Pelo desmatamento à la Ricardo Salles/Bolsonaro, pelo
cultivo de monoculturas e pela geral poluição do meio ambiente, chegou-se
a destruir o habitat dos vírus. Sem saber para onde ir, saltaram para outros
animais, imunes dos vírus e deles passaram a nós que não possuímos esta imunidade.
Vale pensar o que significa o fato de que o inteiro
planeta foi afetado, por um lado igualando a todos, e por outro aumentando as
desigualdades porque a grande maioria não consegue viver o isolamento social,
evitar as conglomerações, especialmente, no transporte coletivo e nas lojas.
Não afetou os demais seres vivos, nossos animais domésticos.
Devemos reconhecer: os visados fomos nós humanos. A
Mãe Terra,desde os anos 70 do século passado,. reconhecida como um organismo
vivo, Gaia, e pela ONU (no dia 22 de abril de 2009) aprovada verdadeiramente
como Mãe-Terra, nos enviou um sinal e uma advertência: “parem de agredir todos
os ecossistemas que me compõem; já não me concedem o tempo suficiente para
repor o que me tiram durante um ano e de me regenerar”.
Como o paradigma vigente considera a Terra ainda
como um mero meio de produção, num sentido utilitarista, não estão prestando
atenção a suas advertências. Ela, como super-orgnismo vivo, nos dá sinais
inequívocos, como agora,, com as grandes enchentes na Europa, o excessivo frio
no hemisfério sul e a gama de vírus já enviados (zica, ebola, chikungunya e
outros).
Como somos cabeças duras e vige uma clamorosa
ausência de consciência ecológica, podemos ir ao encontro de um caminho sem
retorno.
Curiosamente, como já foi comentado por outros, “os
profetas do neoliberalismo estão se transformando em promotores da economia
social porque concebem, diante da catástrofe atual, que já não será
possível fazer o mesmo que antes e que será necessário voltar aos imperativos
sociais”. O pior que nos poderia acontecer é voltar ao antes, cheio de
contradições perversas, inimigo da vida da natureza e indiferente ao destino
das grandes maioria pobres e se armando até os dentes com armas de destruição
em massa, absolutamente inúteis face aos vírus.
Temos que forçosamente mudar, superar os velhos
soberanismos que tornava os outros países até hostis ou submetidos à
feroz competição. O vírus mostrou que não contam para nada os limites das
nações. O que, realmente, conta é a solidariedade entre todos e o cuidado de
uns com os outros e para com a natureza, para que, preservada, não nos envie
vírus ainda piores. Agora é da nova era da Casa Comum dentro da qual estão as
nações.
David Quamen, o grande especialista em vírus,
deixou esta advertência: ou mudamos nossa relação para com a natureza sendo
respeitosos, sinergéticos e cuidadosos, caso contrário ela nos enviará outros
vírus, quem sabe um tão letal que nossas vacinas não poderão ataca-los e
levarão grande parte da humanidade.
Ao não determos o aquecimento global e ao não
mudarmos de paradigma para com a natureza, conheceremos dias piores. Se não
podemos mais deter o aumento do aquecimento global, com a ciência e a técnica
que possuímos, podemos pelo menos mitigar seus efeitos deletérios e salvar o
máximo da imensa biodiversidade do planeta.
Como nunca antes na história, o destino comum está
em nossas mãos: devemos escolher entre seguir a mesma rota que nos leva a um
abismo ou mudar forçosamente e garantir um futuro para todos, mais frugal, mais
solidário e mais cuidadoso para com a natureza e a Casa Comum.
Já há 30 anos repito esta lição e sinto-me um
profeta no deserto. Mas cumpro o meu dever que é de todos os que despertaram um
dia.Devemos falar e agora já gritar.
Leonardo Boff ecofilósofo e escreveu Habitar a Terra: a via para a fraternidade universal a
sair pela Vozes dentro de pouco; Covid-19, a Mãe Terra
contra-ataque a Humanidade, Vozes 2020.
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