Drª Margareth Dalcomo
Fonte: O Globo/Blog A hora da Ciência
Semana prolífica
de dados e efemérides, lembrados nos mais diversos ambientes e meios de
comunicação.
Passamos, por
exemplo, os 500 dias do primeiro caso diagnosticado da Covid-19 no Brasil, que
aqui chegou sem dar trégua para perplexidades. A curva de aprendizado por ela
gerada, para que a entendêssemos como uma doença sistêmica, trombogênica, capaz
de comprometer a microcirculação em todos os órgãos, foi e é ainda permanente.
Hoje, nosso maior desafio é lidar com as sequelas da chamada “Covid longa”,
presente em cerca de 80% dos que se curam, e comprometendo diferentes sistemas
do corpo, com diversos graus de gravidade. A reabilitação pós-Covid-19 exige
serviços multidisciplinares, a serem implementados na estrutura do SUS.
Sem razão para
celebrar a redução de mortes porquanto mantemos mais de mil óbitos diários no
país e contamos esse luto imenso de quase 550 mil brasileiros levados pela
pandemia, assistimos a uma cobertura vacinal de 15%. Ainda longe do desejável,
já resulta em impacto importante nas hospitalizações.
Em 10 de julho
comemoraram-se 150 anos do nascimento do francês Marcel Proust (1871-1922),
certamente um dos autores mais influentes do século XX, com a monumental obra
“Em busca do tempo perdido”. Não apenas pelo tempo que levou para ser escrito,
em seus sete volumes, mas pela densidade da narrativa exasperante de um
cotidiano sacralizado, torna-se atemporal e desafiador até os nossos dias.
Curioso que, neste tempo pandêmico, de dias de rotinas novas, vários grupos se
dedicaram a essa bela e esmagadora aventura de busca da memória proustiana.
Impressionante a
muitos — e para mim, emocionante, pela amizade que nos une — assistir de longe
o centenário de Edgar Morin, o grande humanista francês. Criador do pensamento
complexo e dos sete saberes na educação, lúcido, pensa e intervém com argúcia
sobre o impacto da pandemia em nossas vidas, à luz de tantos inesperados pelos
quais passou em sua longa vida. Olha com perspectiva e esperança o futuro.
Sua prodigiosa
memória se revela uma vez mais em “Lições de um século de vida”. Recém-lançado
na França, o livro traduz o melhor do humanismo do nosso tempo, ao narrar sua
trajetória, sua identidade e seu múltiplo. A obra apresenta o inesperado de
tantas vivências com a preocupação de nada ensinar, mas “contar lições de uma
experiência secular e de um século de vida, para serem úteis a alguém, não
apenas para se interrogar sobre sua própria vida, mas também para encontrar seu
próprio caminho”.
Esse é o Edgar,
que aos 98 anos recebemos em memorável sessão do grupo Humanidades da Saúde no
Rio de Janeiro, nos falando sobre ciência e humanismo, e que em reunião social
nos surpreendeu e encantou ao declamar “Le lac” (“O lago”), do poeta Alphonse
de Lamartine (1790-1869). No melhor romantismo fala o tempo: “Nem ainda
guardaremos suas pegadas?/ Para onde vão as delícias que devoras, / Que fazeis
Eternidade, sombras abismadas, / das deglutidas horas?”.
* Pneumologista, professora e pesquisadora da Escola
Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz <margarethdalcolmo@gmail.com>
(Fiocruz)
Nenhum comentário:
Postar um comentário