Por Frei Betto
Apesar
dos avanços técnicos e científicos, que virtualmente nos asseguram
melhor qualidade de vida, hoje a cobiça pelo lucro nos
obriga a ingerir alimentos contaminados por aditivos, hormônios,
pesticidas e antibióticos. Não é de estranhar que o nosso organismo adoeça.
O
programa Fantástico, da TV Globo, costumava testar a qualidade de
determinados produtos considerados de necessidade básica para a população. Foi
um começo. Deveriam as escolas introduzir, em aulas de química ou de
ética/cidadania, análise dos produtos consumidos pelos alunos. Conferir em
laboratório o que registram as embalagens. E estabelecer um canal de diálogo
com a mídia, para que o público conheça o resultado das pesquisas.
Em
bairros, igrejas, clubes e municípios, é preciso criar instituições de defesa
do consumidor, divulgar os serviços prestados pelo Procon, promover campanhas
para que a população adquira melhores hábitos no que concerne à alimentação,
limpeza doméstica e coleta do lixo. Duas instituições se destacam na defesa de
alimentação saudável a crianças: em Minas, a Aliança para a Alimentação
Saudável e, em São Paulo, o Instituto Alana.
Na
zona rural, a educação deve esclarecer os agricultores quanto ao uso de
agrotóxicos e a preservação de fontes de água, matas e florestas. Hoje, cuidar
da Terra é cuidar da viabilidade da vida humana no futuro.
Olho
no lucro, indústrias alimentícias preferem investir em produtos transgênicos.
No Brasil, em 2015, cinco variedades de soja da Monsanto já tinham sua produção
autorizada pelo governo federal. Uma liminar assegurou estudos preliminares
para se constatar o impacto ambiental desses produtos.
Na
CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) havia 595 pedidos de
liberação para milho transgênico, 32 para soja, 6 para cana-de-açúcar, 3 para
algodão, 2 para eucalipto, 2 para fumo, 1 para arroz e outro para batata.
Os
transgênicos podem provocar câncer, alergias e imunidade aos antibióticos.
Chegou-se a exigir que constasse nas embalagens se o alimento é geneticamente
modificado, bem como o nome do gene utilizado e a origem da espécie doadora. O
mesmo deveria valer para os importados e cardápios de restaurantes. Portanto,
se o consumidor compra ou ingere sem pesquisar, o risco é dele. O problema é
que a grande maioria dos brasileiros é semianalfabeta e não consegue decifrar o
dialeto químico de rótulos em embalagens.
Ignorância
alimentar
O
capitalismo neoliberal não pretende formar cidadãos. Investe na proliferação de
consumistas. Dá-lhes propaganda, mas sem consciência. Por isso, o brasileiro
ignora o que come. Nem as escolas educam para formar consumidores responsáveis.
Vi
na China pessoas que conheciam o valor nutritivo de cada alimento ingerido, bem
como os efeitos no organismo. Aqui, somos analfabetos em matéria de nutrição.
Poucos sabem preparar o que ingerem e quase ninguém é capaz de dizer o que tal
alimento significa para a sua saúde física e espiritual.
Malgrado
os avanços técnicos e científicos, que virtualmente nos asseguram melhor
qualidade de vida, hoje a cobiça pelo lucro nos obriga a ingerir alimentos
contaminados por aditivos, hormônios, pesticidas e antibióticos. Não é de
estranhar que o nosso organismo adoeça.
Cabe
ao consumidor verificar o rótulo dos produtos que compra, embora não seja
instruído para esta tarefa. No Chile, está proibido o aditivo eritracina. O
tratrazina (amarelo 5) - presente em certos iogurtes, geleias, chicletes,
refrigerantes, sucos, gelatinas, mostardas e balas – causa alergias e insônia.
Por isso está proibido também na Grécia e na Nova Zelândia é vetado nos
medicamentos.
O
amaranto, contido em frutas em conserva, doces, iogurtes, pode provocar
alergias e tumores. Está proibido nos EUA, Egito, Rússia, Kwait e Chile. O BHA,
encontrado em maioneses e biscoitos, provoca irritação na pele e câncer. Está
proibido nos EUA, bem como o BHT, que produz hipersensibilidade, alergias,
tumores, aumento do colesterol, erupções na pele, e é encontrado em maioneses,
sucos, biscoitos, margarinas e manteigas.
O
glutamato monosódico, encontrado em caldos concentrados, sopas em pó, extratos
de galinha, molhos de tomate e salsichas, está proibido para alimentação
infantil nos EUA. Provoca lesão cerebral e a doença de Knok, que contrai os
músculos da cabeça.
Perigo das
dioxinas
Na
Bélgica, em 2015, houve um transtorno nacional ao se constatar que a ração
animal estava contaminada com dioxinas. E no Brasil, há dioxinas? Elas são 500
vezes mais tóxicas que o famoso veneno estriquinina. Modificam o nosso código
genético e causam câncer.
Como
são produzidas? Pelos incineradores de lixo doméstico, industrial ou hospitalar.
Aquela fumaça que sai pela chaminé contém substâncias venenosas que
atravessaram os filtros do incinerador. Para cada 3 toneladas de lixo sólido
incinerado, 1 tonelada vira cinza e precisa ser depositada em aterro sanitário.
Se no aterro há lençóis freáticos, o risco de um vazamento ameaça toda a
população que se beneficia daquela água.
Mas
não é só na água que as dioxinas nadam de braçada. Elas viajam pelo ar. As que
são expelidas pela indústria de papel e celulose têm autonomia de voo de até
200 km nas correntes de ar. Caem sobre plantações para, em seguida, serem
absorvidas pelos seres humanos através dos alimentos.
No
Brasil, o governo não possui laboratórios aparelhados para controlar as
emissões de dioxinas. Nem infraestrutura e fiscalização suficientes para a
coleta do lixo.
Leite &
sal
Pesquisa
do Departamento de Alimentação e Nutrição Experimental da USP constatou, ao
analisar 30 marcas de leite, que muitas contêm vitaminas em quantidades
distintas das anunciadas em suas respectivas embalagens. Há produtos com teor
de vitaminas 50% abaixo do declarado e outros com teores de vitamina A até 100%
acima.
Ou
seja, não há controle de qualidade dos produtos. Das marcas de leite em pó
analisadas, apenas uma apresentou índice de vitamina E correspondente ao
registrado no rótulo. Ora, considerando que o leite é uma das primeiras fontes
nutrientes para crianças menores de 1 ano, pode-se calcular as consequências
dessa alteração criminosa.
O
artifício de aumentar a dose de vitamina contida no leite visa a assegurar a
qualidade do produto até esgotar seu prazo de validade. Mas, em doses
excessivas, prejudicam a saúde.
Pesquisa
do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) analisou 20 qualidades
de sal. Em alguns, encontrou iodo em níveis inferiores aos admitidos pela
legislação. Isso é grave, pois o sal é a principal fonte de iodo para que se
evite o bócio e o cretinismo, uma doença mental que atinge crianças carentes
dessa substância.
Outras
marcas de sal refinado continham teor de umidade acima do permitido e/ou
apresentavam granulações maiores que o especificado. E algumas marcas não
exibiam, em seus rótulos, registros do Ministério da Saúde, data de fabricação
e validade.
Por
descaso do governo e insuficiente informação e educação nutricionais, no Brasil
crianças e adultos ingerem saborosos venenos...
Frei Betto é
escritor e assessor da FAO, autor de “Comer como um frade – divinas receitas
para quem sabe por que temos um céu na boca” (José Olympio), entre outros
livros.
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