por FreiBetto
Em uma quarentena, sem data marcada para terminar, a neurose de domingo ganha
proporção alarmante para quem não faz trabalho remoto nem sabe como se ocupar
no dia a dia.
O psicoterapeuta Viktor E. Frankl cita a “neurose de domingo” como sendo o vazio existencial que a pessoa experimenta ao se deparar com a dúvida sobre como se ocupar no fim de semana. Enquanto duram os dias de trabalho, a motivação vital perdura. Contudo, no domingo as horas parecem se arrastar... E essa síndrome acomete principalmente, em todos os dias da semana, aposentados e idosos.
Isso se aplica, atualmente, ao longo período de confinamento doméstico.
Pesquisas recentes indicam o aumento da compra de ansiolíticos e
antidepressivos. O mesmo acontece em relação a bebidas alcóolicas.
Esse desamparo tem a ver com as amarras que o ser humano perdeu no decorrer do
século XX, marcado pela conquista de sua autonomia. Até então os comportamentos
eram predominantemente ditados pelo conformismo (faço o que a maioria faz) ou
pelo autoritarismo (faço o que a tradição determina que devo fazer).
O conformismo é a mera adequação aos costumes triviais. Meu avô, por exemplo,
evitava a neurose dominical em torno da mesa de baralho, em companhia de
amigos. Já o autoritarismo é a sujeição a uma instituição que dita o que convém
ou não fazer, o que é certo ou errado, perdição ou salvação, como as religiões.
Quando a pessoa não se adapta ao conformismo ou já não se submete a tradições
institucionais, a autonomia se defronta com o vazio existencial caso não haja
um sentido que motive a vida da pessoa.
Em uma quarentena, sem data marcada para terminar, a neurose de domingo ganha
proporção alarmante para quem não faz trabalho remoto nem sabe como se ocupar
no dia a dia. Corre-se o risco de buscar uma destas duas válvulas de escape: o
poder e/ou o prazer. O poder é simbolizado pelo dinheiro, uma compulsão
por compras. E o prazer, pela ingestão exagerada de comidas e bebidas, e a
busca incessante de distrações virtuais. Na internet, mais se naufraga do que
se navega.
Essa síndrome tende a provocar enfado. Uma forte sensação de “perda de tempo”.
A razão de viver da pessoa está “lá fora”, nas atividades extras domésticas
exercidas antes da pandemia. E quando ela se depara com a solidão (ainda que em
companhia de familiares) percebe o vazio do “aqui dentro” – a sua subjetividade
carece de estofo para adotar uma rotina criativa, uma motivação que a livre da
nostalgia do “antes” e, portanto, do risco de cair em depressão.
A saída é ousar se reinventar. Tratar a exceção como regra, o “anormal” como
normal. Foi o que me salvou psicologicamente nos quatro anos de prisão. Com o
corpo dentro da cela, evitei manter a cabeça na rua. Estabeleci um programa de
estudos e atividades (espirituais, artesanais, literárias, físicas) que me
fizeram sentir útil ali dentro e evitar a ansiedade de me ver livre o quanto
antes.
Frankl tem razão: em toda e qualquer circunstância o que importa na vida é o
sentido que a ela se imprime.
Frei
Betto é escritor, autor de “Reinventar a vida” (Vozes), entre outros livros.
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