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terça-feira, 7 de julho de 2020

POPULAÇÃO DA TERRA E CIDADANIA MUNDIAL

Por Marcelo Barros

 

Nesses últimos tempos, quem acompanha as notícias sobre o Brasil pode pensar que houve alguma transformação na orientação dos grandes meios de comunicação. Mesmo as grandes redes de televisão que sempre apoiaram a extrema-direita, agora criticam o presidente e dizem: Basta! De fato, o que acontece é que eles estão, astutamente, tentando descer do barco que eles mesmos patrocinaram e que, agora, afunda. Pronunciam-se contra o Bolsonero. No entanto, continuam, ardorosamente, a defender o ministro da Economia, responsável pelas medidas que, literalmente, levam milhões de pessoas ao risco de morrer, vítimas do descuido com a pandemia do Covid 19 e do vírus da miséria e da fome. E isso ocorre no Brasil, como em outros países, como mesmo no centro do Império norte-americano.

É neste contexto que, neste sábado, dia 11 de julho, anualmente, a ONU celebra “o dia da população mundial”. Esta data foi implementada em 1989, pelo Conselho do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, para chamar atenção para as questões relacionadas com a população mundial. O dia da população mundial deve nos ajudar a viver melhor em um planeta no qual, a cada ano, a população humana cresce e os bens da terra, como água, ar e alimentação, se mostram limitados, afetados pela ação humana e sob ameaça de se tornar insuficientes.

Atualmente, grande parte da humanidade concorda com o papa Francisco que que o desafio mais urgente para a população da Terra é sobreviver ao sistema capitalista. Em nome do deus dinheiro, esse modo de organizar as relações sociais e econômicas aprofunda as desigualdades sociais, provoca desemprego e destrói a natureza. Conforme dados recentes, cinco milionários brasileiros detêm uma riqueza equivalente à metade de toda a população brasileira (Carta Capital, 27/06/ 2018).

A humanidade precisa mudar a cultura com a qual se relaciona entre si e com o planeta que habita. Somente uma organização social que se preocupe com todos os seres humanos e busque a igualdade e a justiça é ecologicamente sustentável e socialmente justificável.

Hoje, a maioria das pessoas vive em cidades. Já se contam em milhares as metrópoles com mais de um milhão de habitantes. Já somam 23, as cidades com mais de dez milhões de habitantes. São Paulo já ultrapassou vinte milhões. Nessas sociedades, ao menos aparentemente, o ideal humano é a máxima liberdade de cada um e com o mínimo de orientação. O liberalismo é um regime econômico, mas é também cultural. Cada um faz o que quer e vive como quiser. Muitas pessoas optam pela cidade grande justamente por causa do anonimato. Ninguém se mete na vida de ninguém. Através da internet e do celular, estamos sempre mais juntos e ao mesmo tempo, cada vez mais sozinhos. Isso é tido como liberdade. Todos lamentam muito que haja fome e miséria no mundo, mas ninguém renuncia a nada para resolver este problema. De acordo com os cientistas, o planeta Terra teria todas as condições de alimentar e sustentar até onze bilhões de pessoas. No entanto, como dizia o Mahatma Gandhi: “O mundo tem o suficiente para saciar as necessidades de todos os seres humanos, mas não basta para a ganância e a ambição dos ricos”.

Nesse contexto, filósofos judeus como Emmanuel Mounier e Martin Buber, baseados na fé bíblica, insistiram no valor da alteridade. Propõem que se aprofunde a importância do outro. Devemos aceitar que dependemos uns dos outros e aprender a viver a partir do outro. Também as filosofias de povos africanos como o  Ubuntu dos zulus e o Bem-viver dos povos indígenas nos propõem outro estilo de convivência humana. De acordo com esses horizontes de vida, o bem-comum e a preocupação com o outro se tornam centro da vida e garantem a convivência baseada na justiça e na paz. Para consolidar a sustentabilidade do planeta, também os animais e a natureza precisam e merecem ser tratados com respeito e não apenas como mercadoria ou mero objeto para o uso humano. Dietrich Bonhoeffer, teólogo luterano, assassinado por Hittler na Alemanha nazista, afirmava: “O Cristo está em mim para você e está em você para mim. Em mim, ele é fraco para mim mesmo e é forte para você. Em você, ele é fraco para você e é forte para mim”. 

Para as comunidades cristãs, a palavra “participação social” é a que traduz o termo grego: Koinonia, que, nas Igrejas, se tornou “comunhão”. Criar a comunhão é um projeto divino. O termo Igreja foi inspirado nas assembleias de cidadãos do mundo grego antigo. Paulo trouxe o termo Igreja para as comunidades cristãs para educá-las à participação de todos e como um ensaio do que o Espírito Divino propõe para o mundo todo. Hoje isso se traduz por cidadania, direito e dever de todos/as. Paulo escreveu à comunidade cristã de Corinto: “Através de Jesus Cristo, Deus nos chamou à comunhão, ou seja à plena participação social” (1 Cor 1, 9).

 MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor. Tem 57 livros publicados. O mais recente é Teologias da Libertação para os nossos dias (Vozes). Email: contato@marcelobarros.com

 

 


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