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quarta-feira, 1 de julho de 2020

COVID - 19- QUADRAGÉSIMA SEXTA REFLEXÃO SHOPPING-CENTERS EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS


 por FREI ALOÍSIO FRAGOSO

     Eu gostaria de iniciar esta REFLEXÃO, fazendo-lhe uma pergunta, caro(a) leitor(a), uma pergunta direta, olho no olho, sua mão esquerda posta na consciência e a outra sobre o livro da Bíblia: você está sentindo falta do shopping-center? Pergunto no pressuposto  de que você costumava frequentá-lo regularmente e agora o Coronavírus lhe roubou estas oportunidades. Não é minha intenção julgar você e sim descobrir de onde vem tamanho poder de sedução,  capaz de arrebanhar prosélitos de todas as idades, culturas e regiões, sem distinção de ricos ou pobres, ilustrados ou analfabetos, idiotas ou lúcidos, pedigrees ou vira-latas.

     Agora responda, jure, jure "pela hóstia consagrada" (era assim que se dizia na minha infância): você está sentindo falta do schopping-center? Em algum momento, você se pegou chorando, sofrendo, deprimindo-se, carente de uma roupa para vestir-se decentemente, de um cosmético, para manter sua auto-estima frente ao espelho, de um prato bem temperado, para compensar o dissabor da rotina? Faltam-lhe estes objetos do desejo? Sobretudo diga uma coisa: você já teve um sentimento de perda, por mínima que seja, da sua dignidade humana, por passar 4 meses sem pisar no schopping-center?

     Mentes entendidas escolhem palavras para classificar nossa atual sociedade: "Cultura da satisfação", "Civilização do espetáculo", "Sociedade do consumo".   Todas estas palavras-chave apontam para bens negociáveis e convergem para um mesmo referencial: o Poder Econômico. Este não possui ideologia, nem partido político, não se situa à esquerda ou à direita, enquadra-se em qualquer regime político, desde que tenha garantido o papel predominante. Seus tentáculos penetram todos os segmentos da sociedade, desde as Cúpulas governamentais, passando pelas Assembléias Legislativas, os Tribunais da Justiça institucionalizados, os Órgãos de Segurança Pública, até chegar, por efeito-dominó, ao cidadão comum. À parte todos estes, ele conta com um aliado poderosíssimo, pronto a oferecer-lhe seus préstimos de porta-voz universal, a saber, a grande mídia corporativa. Nenhuma instituição escapa incólume. Em sua Exortação Apostólica "A Alegria do Evangelho", o Papa Francisco denuncia as Igrejas utilitaristas que se pautam por uma espécie de "consumismo do sagrado".

     O Poder Econômico não tem rosto. Que fazer para reconhecê-lo? Temos que estar atentos às suas sequelas, aos seus efeitos colaterais. Seus efeitos imediatos estão à vista de todos e ao alcance dos afortunados, são prazeres ilimitados, é a volta do Paraíso terrestre.

     Tão grande  poder não deixaria de atrair grandes cérebros, em todos os campos do conhecimento humano. Estes, por sua vez, são bastante "experts" para compreender uma verdade: seres humanos buscam não simplesmente comer, beber, gozar, mas sim ser felizes. Não demoram a deparar-se com outras realidades que geram ansiedade, dúvida, medo. É preciso dar-lhes um amparo espiritual. É preciso oferecer-lhes os meios de transcender seus enfrentamentos com a dura realidade. Daí os schoppings são convertidos em templos, verdadeiras catedrais de uma nova Religião, a Religião do deus Mercado. Cada loja é uma capela, cada vitrine um nicho, e seus devotos experimentam   sensações místicas: êxtases, levitações, contemplação do belo e do fantástico, etc. Nota-se como as pessoas saem dos schopping-centers abobalhadamente felizes, mesmo que tenham consumido somente um saquinho de pipocas. É que, na verdade, elas foram agraciadas com os efeitos alucinógenos de um mundo irreal.

     A despeito de todos estes esforços, o Poder Econômico não é um deus, não consegue calar as vozes proféticas que teimam em despertar as consciências anestesiadas. Entre estas vozes, poucas são tão claras como as do Papa Francisco:

     "Neste sistema, o ser humano é considerado em si mesmo como um bem de consumo, que se pode usar e depois descartar". "A cultura do bem estar anestesia-nos, a ponto de perdermos a serenidade se o Mercado oferecer alguma coisa que ainda não compramos". "Faze-nos esquecer que, em sua origem, há uma crise antropológica mais profunda: a negação da primazia do ser humano". "Quase sem nos dar conta, tornamo-nos incapazes de nos compadecer com os clamores alheios". ("Gaudium Evangelii" 53 as)

     Em meio a estas contradições, somos atacados por um inimigo tenebroso de origem natural, o COVID 19. O Poder Econômico se abala e se assusta. Mostra que, em não tendo rosto, também não tem coração. Recusa-se a contribuir para salvar vidas com seus infinitos lucros. Seu medo maior não procede das perdas financeiras. Nisso ele é competente em refazer-se. Seu medo é o de perder bilhões de consumidores. Seu medo pode ser a nossa arma. Oxalá o retiro desta quarentena nos tenha despertado para uma nova consciência: a de que fomos até hoje repelidos como sujeitos da nossa própria história. Corremos o risco de perder identidade e autonomia. Seremos descartados se deixarmos de produzir, marginalizados se deixarmos de consumir, esquecidos quando envelhecidos.

     Se desta consciência surgir uma nova conduta, dirigindo nossos passos em outra direção, teremos mais uma prova do que afirma a sabedoria popular: "há males que vem por bem".

Amém. 


FREI ALOÍSIO FRAGOSO é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.

 

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