por FREI ALOÍSIO FRAGOSO
Eu gostaria de iniciar esta REFLEXÃO,
fazendo-lhe uma pergunta, caro(a) leitor(a), uma pergunta direta, olho no olho,
sua mão esquerda posta na consciência e a outra sobre o livro da Bíblia: você
está sentindo falta do shopping-center? Pergunto no pressuposto de que você costumava frequentá-lo
regularmente e agora o Coronavírus lhe roubou estas oportunidades. Não é minha
intenção julgar você e sim descobrir de onde vem tamanho poder de sedução, capaz de arrebanhar prosélitos de todas as
idades, culturas e regiões, sem distinção de ricos ou pobres, ilustrados ou
analfabetos, idiotas ou lúcidos, pedigrees ou vira-latas.
Agora responda, jure, jure "pela
hóstia consagrada" (era assim que se dizia na minha infância): você está
sentindo falta do schopping-center? Em algum momento, você se pegou chorando,
sofrendo, deprimindo-se, carente de uma roupa para vestir-se decentemente, de
um cosmético, para manter sua auto-estima frente ao espelho, de um prato bem
temperado, para compensar o dissabor da rotina? Faltam-lhe estes objetos do
desejo? Sobretudo diga uma coisa: você já teve um sentimento de perda, por
mínima que seja, da sua dignidade humana, por passar 4 meses sem pisar no
schopping-center?
Mentes entendidas escolhem palavras para
classificar nossa atual sociedade: "Cultura da satisfação",
"Civilização do espetáculo", "Sociedade do consumo". Todas estas palavras-chave apontam para bens
negociáveis e convergem para um mesmo referencial: o Poder Econômico. Este não
possui ideologia, nem partido político, não se situa à esquerda ou à direita,
enquadra-se em qualquer regime político, desde que tenha garantido o papel
predominante. Seus tentáculos penetram todos os segmentos da sociedade, desde
as Cúpulas governamentais, passando pelas Assembléias Legislativas, os
Tribunais da Justiça institucionalizados, os Órgãos de Segurança Pública, até
chegar, por efeito-dominó, ao cidadão comum. À parte todos estes, ele conta com
um aliado poderosíssimo, pronto a oferecer-lhe seus préstimos de porta-voz
universal, a saber, a grande mídia corporativa. Nenhuma instituição escapa
incólume. Em sua Exortação Apostólica "A Alegria do Evangelho", o
Papa Francisco denuncia as Igrejas utilitaristas que se pautam por uma espécie
de "consumismo do sagrado".
O Poder Econômico não tem rosto. Que fazer
para reconhecê-lo? Temos que estar atentos às suas sequelas, aos seus efeitos
colaterais. Seus efeitos imediatos estão à vista de todos e ao alcance dos
afortunados, são prazeres ilimitados, é a volta do Paraíso terrestre.
Tão grande
poder não deixaria de atrair grandes cérebros, em todos os campos do
conhecimento humano. Estes, por sua vez, são bastante "experts" para
compreender uma verdade: seres humanos buscam não simplesmente comer, beber,
gozar, mas sim ser felizes. Não demoram a deparar-se com outras realidades que
geram ansiedade, dúvida, medo. É preciso dar-lhes um amparo espiritual. É
preciso oferecer-lhes os meios de transcender seus enfrentamentos com a dura
realidade. Daí os schoppings são convertidos em templos, verdadeiras catedrais
de uma nova Religião, a Religião do deus Mercado. Cada loja é uma capela, cada
vitrine um nicho, e seus devotos experimentam
sensações místicas: êxtases, levitações, contemplação do belo e do
fantástico, etc. Nota-se como as pessoas saem dos schopping-centers
abobalhadamente felizes, mesmo que tenham consumido somente um saquinho de
pipocas. É que, na verdade, elas foram agraciadas com os efeitos alucinógenos
de um mundo irreal.
A despeito de todos estes esforços, o
Poder Econômico não é um deus, não consegue calar as vozes proféticas que
teimam em despertar as consciências anestesiadas. Entre estas vozes, poucas são
tão claras como as do Papa Francisco:
"Neste sistema, o ser humano é
considerado em si mesmo como um bem de consumo, que se pode usar e depois
descartar". "A cultura do bem estar anestesia-nos, a ponto de
perdermos a serenidade se o Mercado oferecer alguma coisa que ainda não
compramos". "Faze-nos esquecer que, em sua origem, há uma crise
antropológica mais profunda: a negação da primazia do ser humano".
"Quase sem nos dar conta, tornamo-nos incapazes de nos compadecer com os
clamores alheios". ("Gaudium Evangelii" 53 as)
Em meio a estas contradições, somos
atacados por um inimigo tenebroso de origem natural, o COVID 19. O Poder
Econômico se abala e se assusta. Mostra que, em não tendo rosto, também não tem
coração. Recusa-se a contribuir para salvar vidas com seus infinitos lucros.
Seu medo maior não procede das perdas financeiras. Nisso ele é competente em
refazer-se. Seu medo é o de perder bilhões de consumidores. Seu medo pode ser a
nossa arma. Oxalá o retiro desta quarentena nos tenha despertado para uma nova
consciência: a de que fomos até hoje repelidos como sujeitos da nossa própria
história. Corremos o risco de perder identidade e autonomia. Seremos
descartados se deixarmos de produzir, marginalizados se deixarmos de consumir,
esquecidos quando envelhecidos.
Se desta consciência surgir uma nova
conduta, dirigindo nossos passos em outra direção, teremos mais uma prova do
que afirma a sabedoria popular: "há males que vem por bem".
Amém.
FREI ALOÍSIO FRAGOSO é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.
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