por Leonardo boff
Depois que se lançaram duas bombas atômicas primárias sobre as cidades
de Hieroshima e Nagasakiem 1945, a humanidade criou para si um pesadelo do qual
não consegue mais se libertar. Ao contrário, ele se transformou numa realidade
ameaçadora de nossa vida sobre este planeta e a destruição de grande parte do
sistema-vida.
Criaram-se armas nucleares muito mais destrutivas, químicas e biológicas
que podem destruir nossa civilização e afetar profundamente a Terra viva. Pior
ainda, projetamos a inteligência artificial autônoma. Com seu algoritmo que
combina bilhões de informações, recolhidas de todos os países e de cada pessoa,
até da pasta de dente que uso, pode tomar decisões sem que nós saibamos. Pode
eventualmente, numa combinação enlouquecida penetrar nos arsenais das armas
nucleares ou de igual ou maior potência letal e deslanchar uma guerra de grande
destruição até de toda vida. É o princípio da auto-destruição. Vale
dizer, está nas mãos do ser humano pôr fim à vida visível que conhecemos (ela é
só 5% as 95% são vidas microscópicas invisíveis). Assenhoreamo-nos da morte. E
ela pode ocorrer a qualquer momento. E agora em razão da inteligência
artificial autônoma, escapa até de nossas decisões.
Ja se criou uma expressão para nomear esta fase nova da história humana,
uma verdadeira era geológica: o antropoceno, vale dizer, o ser
humano como a grande ameaça ao sistema-vida e ao sistema-Terra.
O ser humano é o grande satã da Terra, aquele que pode dizimar,como um
anti-cristo, a si mesmo e os outros, seus semelhantes, além de liquidar com as
bases que sustentam a vida.
A intensidade do processo letal é de tal ordem que já se fala da era
do necroceno. Quer dizer, a era da produção em massa da morte. Já
estamos dentro da sexta extinção em massa. Agora é acelerada de forma
irrefreável, dada a vontade de dominação da natureza e de seus mecanismos, da
agressão direta à vida e à Gaia, a Terra viva, em função de um crescimento
ilimitado, de uma acumulação absurda bens materiais a ponto de criar a
Sobrecarga da Terra (The Earth Overshoot).
Em outras palavras, chegamos a um ponto em que a Terra não consegue
repor os bens e serviços naturais que lhe foram sequestrados e começa a mostrar
um avançado processo de degeneração através dos tsunamis, tufões, como
recentemente no Sul do Brasil, degelo das calotas polares e do parmafrost, as
secas prolongadas e as nevascas aterradoras e o surgimento de bactérias e vírus
de difícil controle. Alguns deles como o Covid-19 que está levando à
morte milhões de pessoas.
Tais eventos são reações e até represálias da Terra face à guerra
secular que conduzimos contra ela em todas as suas frentes. Essa morte em massa
ocorre na natureza, com milhares de espécies vivas que desaparecem
definitivamente, ano após ano, e também nas sociedades humanas com milhões que
padecem fome, sede e toda sorte de doenças mortais.
Cresce mais e mais a percepção geral de que a situação da humanidade não
é sustentável. A continuar nessa lógica perversa, vai construindo um caminho na
direção da própria sepultura.
Demos um exemplo: no Brasil vivemos sob a ditadura da economia ultra
neoliberal com uma política de extrema direita, violenta e cruel para com as
grandes maiorias pobres Perplexos, assistimos as maldades que foram feitas,
anulando direitos dos trabalhadores e internacionalizando riquezas nacionais
que sustentam nossa soberania como povo.
Os que deram o golpe contra a Presidenta Dilma Rousseff em 2016 aceitam
a recolonização do país, feito vassalo da potência dominante, os USA, condenado
a ser apenas um exportador de commodities e um aliado menor e
subalterno do projeto imperial.
O que se está fazendo na Europa contra os refugiados, rejeitando sua
presença na Itália e na Inglaterra e pior ainda na Hungria e na catolicíssima
Polônia, alcança níveis de desumanidade extremamente cruel. As medidas do
Presidente norte-americano Trump arrancando os filhos de seus pais imigrantes e
colocando-os em jaulas, denota barbárie e ausência de qualquer senso
humanitário.
Já se disse, “nenhum ser humano é uma ilha… por isso não perguntem por
quem os sinos dobram. Eles dobram por cada um, por cada uma, por toda a
humanidade”.E como dobram face aos milhares de brasileiros ceifados pelo
Covid-19 pela incúria,impiedade e desprezo de nosso presidente.
Se grandes são as trevas que se abatem sobre nossos espíritos, maiores
ainda são as nossas ânsias por luz. Não deixemos que essa demência acima
referida detenha a última palavra.
A palavra maior e última que clama em nós e nos une a toda a humanidade
é por solidariedade e por com-paixão pelas vítimas, especialmente nesse tempo
atroz sob o Covid-19, é por paz e sensatez nas relações entre as
pessoas,livres do ódio, dos fake news que envenenaram a atmosfera social.
As tragédias dão-nos a dimensão da inumanidade de que somos capazes. Mas
também deixam vir à tona o verdadeiramente humano que habita em nós, para além
das diferenças étnicas, ideológicas e religiosas. Esse humano em nós faz com
que juntos nos cuidemos, juntos nos solidarizemos, juntos choremos, juntos nos
enxuguemos as lágrimas, juntos oremos, juntos busquemos a justiça social
mundial, juntos construamos a paz e juntos renunciemos à vingança e todo tipo
de violência e guerra.
A sabedoria dos povos e a voz de nosso coração nos testemunham:Não será
o descaso de nosso Presidente face às milhares de mortes pelo Coronavírus que
nos fará desanimar e exigir a sua interdição por não saber governar e cuidar da
vida de seu povo. Não é um Estado que se fez terrorista como os Estados Unidos
sob o Presidente norte-americano Bush e continuado até Trump que irá vencer
terrorismo. Nem é ódio aos imigrantes latinos difundido por Trump que trará a
paz. É o diálogo incansável, a negociação aberta e o acordo justo que
tiram as bases de qualquer terrorismo e fundam a paz.
As tragédias que nos atingiram no mais fundo de nossos corações,
particularmente a pandemia viral que afetou todo o planeta, nos convidam a
repensarmos os fundamentos da convivência humana na nova fase, a planetária, e
como cuidar da Casa Comum, a Terra como o pede o Papa Francisco em sua encíclica
“sobre o cuidado da Casa Comum”(2015).Temos que reaprender a sermos humanos,
porque já naturalizamos as desumanidades, particularmente perpetradas contra os
pobres, os negros, os indígenas, os quilombolas, as mulheres, os LGBT e outros.
O tempo é urgente. Desta vez não haverá um plano B, capaz de salvar-nos.
Temos que nos salvar todos, pois formamos uma comunidade de destino
Terra-Humanidade.
Para isso precisamos abolir a palavra inimigo, tão presente no debate
político em nosso país que não reconhece a legitimidade do adversário e logo o
transforma em inimigo que cabe difamar e destruir. É o medo que cria o inimigo.
Exorcizamos o medo quando fazemos do distante um próximo e do próximo, um irmão
e uma irmã.
Afastamos o medo e o inimigo quando começamos a dialogar, a nos
conhecer, a nos aceitar, a nos respeitar, a aprender uns dos outros, a
nos amar, enfim, numa palavra, a nos cuidar; cuidar nas nossas doenças, agora
sob a intrusão perigosa do coronavírs, cuidar de nossas formas de convívio na
paz, na solidariedade e na justiça; cuidar de nosso meio ambiente para que seja
um ambiente inteiro, sem destruir os habitats dos vírus que nos vêm dos animais
ou dos arborovírus que se situam nas florestas e que fazem uma devastadora
intrusão na humanidade, um ambiente este no qual seja possível o reconhecimento
do valor intrínseco de cada ser; cuidar de nossa querida e generosa Mãe Terra.
Se nos cuidamos como a irmãos e a irmãs, desaparecem as causas do medo.
Ninguém precisa ameaçar ninguém. Podemos caminhar à noite por nossas ruas sem
medo de sermos assaltados e roubados e até mortos.
Esse cuidado será somente efetivo se vier acolitado pela justiça
necessária, pelo atendimento às necessidades básicas dos mais vulneráveis, se o
Estado se fizer presente com saúde (a importância que o SUS mostrou face ao
Covid-19), com escolas, com segurança e com espaços de convivência, de cultura
e de lazer.
Só assim gozaremos de uma paz possível de ser alcançada quando houver um
mínimo de boa vontade geral e um sentido de solidariedade e de benquerença nas
relações humanas. Esse é o desejo inarredável da maioria dos humanos. É essa
lição que a intrusão do Covid-19 nos está dando e que temos que incorporá-la
nos nossos hábitos no pos pós-coronavírus.
Leonardo Boff é ecoteólogo,filósofo e escreveu:”A Mãe Terra contra-ataca
a humanidade: advertências do Covid-19″ a sair brevemente pela Vozes.
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