Por
Frei Aloísio Fragoso
Como definir esquerda e direita,
politicamente falando? Digo politicamente falando porque o histórico destas
duas palavras ultrapassa de longe os seus limites políticos.
Diz a minha mente que ser direita é aderir ao "status quo" do Sistema dominante, com todas as sequelas que daí deri
A partir daí tem início os embates
ideológicos, políticos e, não poucas vezes, bélicos, entre estas duas facções.
A direita se agarra à tradição, ao
moralismo, à ordem estabelecida, a fim de perpetuar o poder em suas mãos. A
esquerda, por sua vez, procura olhar o mundo com os olhos dos mais fracos e
acionar um movimento de luta por outro mundo possível e melhor do que este.
Se alguém acusar estas definições de
tendenciosas, não lhe tiro toda razão. Estamos enfrentando situações
emergenciais que obrigam a inspirar-nos menos na ciência pura e mais na
irrupção dos sentimentos. A ciência pura fala da razão para a razão. O clamor
dos fatos irrompe do coração, gera a paixão e impele à ação.
Com isso não me atrevo a dividir os dois
lados de forma maniqueista, como se cá estivessem os bons e lá, os maus.
"Não somos melhores nem piores, somos iguais. Melhor é a nossa Causa"
(Tiago de Melo). Um só destes caminhos, no entanto, é o que favorece a grande
utopia de construir o Progresso sobre o alicerce da Justiça e da Paz. A direita
detesta e boicota toda e qualquer utopia.
Entre estes dois polos, não há como ficar
neutro, sem trair a humanidade. Dante Alighieri diria: "Em momentos de
grandes conflitos, quem permanece neutro merece o lugar mais quente do
inferno".
(Vale aqui lembrar aquela parabolazinha
que ficou famosa: "era uma vez uma cigarra que, por ódio à formiga, votou
no inseticida. Resultado: pereceram todos, inclusive o grilo, que votou
nulo")
A direita se assenta sobre um Poder
Econômico que realiza com competência e êxito o que sabe fazer de melhor:
produzir riquezas. E fracassa completamente na tarefa que contradiz a sua
natureza: distribuir riquezas.
Por que então este Poder avança
inexoravelmente e ocupa todos os espaços globais? Certamente porque se identifica com uma
dimensão original da natureza humana: o individualismo (o que, na fé bíblica
chamamos de "pecado original")
E por que nunca deixou de encontrar
inimigos implacáveis, dispostos a arriscar a segurança e a vida para solapar
seu domínio ? Pela razão inversa: o preço deste aparente sucesso é a destruição
de direitos fundamentais, sobretudo das classes desfavorecidas.
Confesso que naveguei alguns anos nas
águas da direita. Acreditei que a Paz se
fundava sobre a Ordem. E a Ordem seria o melhor espaço de trabalhar por aquilo
que, à luz da Fé, se chama "construção do Reino de Deus". Minha
crença, de tão ingênua, não se dava conta de que a ordem estabelecida neste
mundo não era a mesma almejada pelo Criador. Fui curado da ignorância pela
redescoberta da Figura Messiânica de Jesus.
O Jesus "manso e humilde de
coração" MT. 11,29, não podia ser
separado do Jesus "sinal de contradição, redenção para uns e escândalo
para outros" Lc. 2,34. Como entender de outra maneira Aquele que declara:
"Eu vim lançar fogo sobre a terra e quero que este fogo acenda" Lc.
12,49 ? E define sua missão com estas palavras: "não vim chamar os bons e sim
os pecadores" MT.9,13. E não teme denunciar as autoridades constituídas:
"hipócritas, com vossas tradições abandonais o verdadeiro mandamento de
Deus" Mc. 7,13. Como conciliar a
idéia de um Messias apaziguador com a resolução das autoridades religiosas, de
não tolerar sua presença no meio do povo por mais de três anos? E condená-lo
com esta sentença: "se este homem continuar falando, em breve todo o povo
o seguirá. É preciso que Ele morra para que não pereça toda a nação" Jo.
11,50. Uma sentença como esta só se entende contra um personagem revolucionário
e perigoso.
Não tive mais dúvida. Jesus era a Suprema
Esquerda. Sua vida inteira era um chamado para a resistência a todos os
Impérios deste mundo, em todos os tempos. O único Império irresistível seria
sempre o da Fraternidade.
E quando percebi como a pandemia do
coronavirus escancarou a insensibilidade do Sistema Capitalista, sua
incapacidade de responder às gravíssimas ameaças contra a vida de milhares de
pessoas, foi-se embora da minha alma qualquer sombra de dúvida.
Hoje ser esquerda para mim não é uma
ideologia, é um ato de fé.
Sempre que rezo a oração do Pai Nosso e
digo "o pão nosso de cada dia nos dai hoje", sinto-me à esquerda. E
quando saio da igreja para as ruas e ouço esta mesma súplica na boca de
milhares de famintos, sinto-me legitimado e convocado a entrar na luta até que
seja realizada a intenção de Jesus, ao ensinar esta oração: "Venha a nós o
vosso Reino". Amém.
Frei
Aloísio Fragoso
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