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quarta-feira, 15 de julho de 2020

COVID 19 - QUINQUAGÉSIMA REFLEXÃO - ESQUERDA E DIREITA EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS

Por Frei Aloísio Fragoso

     Como definir esquerda e direita, politicamente falando? Digo politicamente falando porque o histórico destas duas palavras ultrapassa de longe os seus limites políticos.

     Diz a minha mente que ser direita é aderir ao "status quo" do Sistema dominante, com todas as sequelas que daí deri


vam para os vários segmentos da sociedade. Ser esquerda, diz a minha mente, é assumir a posição oposta, reconhecer que este Sistema é maléfico e os seus malefícios não são acidentais, são constitutivos da sua natureza, inerentes ao seu código genético.

     A partir daí tem início os embates ideológicos, políticos e, não poucas vezes, bélicos, entre estas duas facções.

     A direita se agarra à tradição, ao moralismo, à ordem estabelecida, a fim de perpetuar o poder em suas mãos. A esquerda, por sua vez, procura olhar o mundo com os olhos dos mais fracos e acionar um movimento de luta por outro mundo possível e melhor do que este.

     Se alguém acusar estas definições de tendenciosas, não lhe tiro toda razão. Estamos enfrentando situações emergenciais que obrigam a inspirar-nos menos na ciência pura e mais na irrupção dos sentimentos. A ciência pura fala da razão para a razão. O clamor dos fatos irrompe do coração, gera a paixão e impele à ação.

     Com isso não me atrevo a dividir os dois lados de forma maniqueista, como se cá estivessem os bons e lá, os maus. "Não somos melhores nem piores, somos iguais. Melhor é a nossa Causa" (Tiago de Melo). Um só destes caminhos, no entanto, é o que favorece a grande utopia de construir o Progresso sobre o alicerce da Justiça e da Paz. A direita detesta e boicota toda e qualquer utopia.

     Entre estes dois polos, não há como ficar neutro, sem trair a humanidade. Dante Alighieri diria: "Em momentos de grandes conflitos, quem permanece neutro merece o lugar mais quente do inferno".

     (Vale aqui lembrar aquela parabolazinha que ficou famosa: "era uma vez uma cigarra que, por ódio à formiga, votou no inseticida. Resultado: pereceram todos, inclusive o grilo, que votou nulo")

     A direita se assenta sobre um Poder Econômico que realiza com competência e êxito o que sabe fazer de melhor: produzir riquezas. E fracassa completamente na tarefa que contradiz a sua natureza: distribuir riquezas.

     Por que então este Poder avança inexoravelmente e ocupa todos os espaços globais?  Certamente porque se identifica com uma dimensão original da natureza humana: o individualismo (o que, na fé bíblica chamamos de "pecado original")

     E por que nunca deixou de encontrar inimigos implacáveis, dispostos a arriscar a segurança e a vida para solapar seu domínio ? Pela razão inversa: o preço deste aparente sucesso é a destruição de direitos fundamentais, sobretudo das classes desfavorecidas.

     Confesso que naveguei alguns anos nas águas da direita. Acreditei que  a Paz se fundava sobre a Ordem. E a Ordem seria o melhor espaço de trabalhar por aquilo que, à luz da Fé, se chama "construção do Reino de Deus". Minha crença, de tão ingênua, não se dava conta de que a ordem estabelecida neste mundo não era a mesma almejada pelo Criador. Fui curado da ignorância pela redescoberta da Figura Messiânica de Jesus.

     O Jesus "manso e humilde de coração" MT. 11,29,  não podia ser separado do Jesus "sinal de contradição, redenção para uns e escândalo para outros" Lc. 2,34. Como entender de outra maneira Aquele que declara: "Eu vim lançar fogo sobre a terra e quero que este fogo acenda" Lc. 12,49 ? E define sua missão com estas palavras: "não vim chamar os bons e sim os pecadores" MT.9,13. E não teme denunciar as autoridades constituídas: "hipócritas, com vossas tradições abandonais o verdadeiro mandamento de Deus" Mc. 7,13.  Como conciliar a idéia de um Messias apaziguador com a resolução das autoridades religiosas, de não tolerar sua presença no meio do povo por mais de três anos? E condená-lo com esta sentença: "se este homem continuar falando, em breve todo o povo o seguirá. É preciso que Ele morra para que não pereça toda a nação" Jo. 11,50. Uma sentença como esta só se entende contra um personagem revolucionário e perigoso.

     Não tive mais dúvida. Jesus era a Suprema Esquerda. Sua vida inteira era um chamado para a resistência a todos os Impérios deste mundo, em todos os tempos. O único Império irresistível seria sempre o da Fraternidade.

     E quando percebi como a pandemia do coronavirus escancarou a insensibilidade do Sistema Capitalista, sua incapacidade de responder às gravíssimas ameaças contra a vida de milhares de pessoas, foi-se embora da minha alma qualquer sombra de dúvida.

     Hoje ser esquerda para mim não é uma ideologia, é um ato de fé.

     Sempre que rezo a oração do Pai Nosso e digo "o pão nosso de cada dia nos dai hoje", sinto-me à esquerda. E quando saio da igreja para as ruas e ouço esta mesma súplica na boca de milhares de famintos, sinto-me legitimado e convocado a entrar na luta até que seja realizada a intenção de Jesus, ao ensinar esta oração: "Venha a nós o vosso Reino".  Amém.

 

Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.


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