Frei Betto
Se
a sociedade não se mobilizar, a reforma tributária proposta por
Bolsonaro-Guedes promete tirar, a cada ano, R$ 32 bilhões dos trabalhadores com
carteira assinada ao diminuir, de 8% para 6%, a contribuição patronal para o
FGTS. (…) É hora de o Brasil reagir. Deixar a banda ou
a boiada passar é enfiar o pescoço (e o bolso) na guilhotina.
A pandemia não apenas
provocou crise sanitária no Brasil, mas aprofundou também a social. A pobreza
aumenta. Dados divulgados pelo IBGE em 12/11 revelam que, em 2019, 51,7 milhões
de brasileiros viviam na pobreza. Na extrema pobreza se encontravam 13,6
milhões de pessoas, com renda per capita inferior a R$ 151 mensais. Somos o
nono país mais desigual do mundo.
O governo
não tem política econômica, a inflação está de volta, a precarização do
trabalho e a perda de empregos causam redução de renda e ampliam a miséria. Nem
são precisos dados do IBGE. Basta circular pelas cidades e se deparar com o
crescente número de pessoas desamparadas.
Hoje, em
nosso país, 45,3 milhões de pessoas vivem em domicílios sem banheiro; 11
milhões dormem com mais de três pessoas no mesmo quarto; 53 milhões
não dispõem de saneamento básico; e 76 milhões ganham, no máximo, R$ 534 por
mês. Dados dos indicadores sociais do IBGE/2019.
Honra e
mérito a Eduardo Suplicy em sua luta incansável, há décadas, em prol da renda
básica da cidadania, viável até mesmo como medida global. Se
dividirmos o PIB Mundial (calculado em cerca de US$ 84 trilhões)
pelos 7,2 bilhões de habitantes do planeta, chegaremos ao valor per capita de
US$ 11.667,00.
É
possível assegurar a cada brasileiro uma renda básica mensal? Sim, solução
existe; não há é vontade política de implementá-la: tributar grandes fortunas,
altos rendimentos, e grandes propriedades urbanas e rurais.
Segundo Maria
Regina Paiva Duarte, diretora do Instituto Justiça Fiscal, uma reforma
tributária solidária, que taxe grandes fortunas e acabe com a desoneração
a megaempresas, geraria justiça fiscal e receita anual de R$ 270 bilhões ao
país, quantia que poderia ser revertida para a renda básica.
De acordo
com a revista Forbes, em 2012 o Brasil tinha 74 bilionários com
patrimônio declarado de R$ 346 bilhões; em 2019, eram 206 com mais de R$ 1,2
trilhão. Os 10% mais ricos da população concentram em mãos 43% da riqueza
nacional, enquanto os 10% mais pobres apenas 1%. Se
esses bilionários forem tributados conforme sua capacidade de contribuir,
esses recursos poderiam ser deslocados para políticas públicas de redução
de desigualdade.
Dados
publicados pela Receita Federal, referentes às declarações do Imposto de
Renda das Pessoas Físicas de 2018, mostram que somente 0,2% dos
contribuintes (60 mil pessoas) declarou bens acima de R$ 10 milhões.
Estimativa conservadora indica que, aplicado o imposto apenas sobre a riqueza
que ultrapassar esse limite, seria possível arrecadar aproximadamente R$
40 bilhões ao ano.
Outra
medida que pode gerar recursos e contribuir para reduzir a injustiça
tributária é modificar as faixas de alíquotas da tabela do Imposto de
Renda das Pessoas Físicas, introduzindo alíquotas de 35%, 40% e 45% para rendas
superiores a 40, 80 e 100 salários mínimos mensais, e aumentar o limite
inferior de isenção de 2 para 3 salários mínimos mensais, desonerando mais
de 10 milhões de contribuintes.
A
injustiça tributária no Brasil precisa ser corrigida, o que poderia ser feito
com a isenção de impostos sobre lucros e dividendos distribuídos
pelas empresas a seus sócios, que vigora desde 1995. Para se ter uma ideia do
que esta prática resulta, quem ganha mais de R$ 300 mil por mês tem 70% de sua
renda livre de impostos. E a maior parte das rendas muito altas decorre de
lucros e dividendos distribuídos. É preciso acabar com essa desoneração, que só
existe no Brasil e na Estônia. Esses rendimentos precisam ser submetidos à
tabela do imposto de renda de pessoas físicas por isonomia de tratamento
com rendimentos assalariados. É uma óbvia questão de justiça.
Duas
outras medidas seriam a criação de uma contribuição social sobre
rendas altas, de 10%, com incidência imediata sobre os rendimentos das pessoas
físicas que ultrapassarem R$ 600 mil mensais, e o aumento da alíquota
máxima do imposto sobre heranças e doações para 30%.
Os
valores estimados de arrecadação com a adoção de todas essas medidas
somariam R$ 270 bilhões. Uma tributação progressiva e, portanto, mais
justa. Focar a diminuição da desigualdade apenas nos gastos com os
mais pobres, como o Bolsa Família e o auxílio emergencial,
revelou-se insuficiente nos últimos anos, além de não enfrentar
a escandalosa concentração de renda e riqueza em nosso país.
Se a
sociedade não se mobilizar, a reforma tributária proposta por Bolsonaro-Guedes
promete tirar, a cada ano, R$ 32 bilhões dos trabalhadores com carteira
assinada ao diminuir, de 8% para 6%, a contribuição patronal para o FGTS.
Propõe
ainda acabar com as deduções no imposto de renda com despesas médicas e de
educação, para o governo abocanhar, por ano, mais R$ 20 bilhões.
O governo
pretende também substituir o PIS/Cofins pelo CBS (Contribuições sobre Operações
com Bens e Serviços), o que aumentará a carga tributária da classe média, pois
irá onerar sobretudo quem paga escolas e cursos, e profissionais liberais
em geral, como terapeutas, advogados, arquitetos, e os que trabalham na área da
saúde.
E uma
nova CPMF haverá de reduzir o poder de compra do brasileiro e o rendimento das
aplicações financeiras. Em 2019, a Receita Federal estimou que os 12,9
milhões de declarantes do imposto de renda deixaram de pagar R$ 4,6 bilhões
devido à dedução com instrução, e outros R$ 15,5 bilhões com a dedução de
despesas de saúde.
É hora de
o Brasil reagir. Deixar a banda ou a boiada passar é enfiar o pescoço (e o
bolso) na guilhotina.
Frei Betto é escritor, autor de “Diário de
quarentena” (Rocco), entre outros livros.
Frei Betto é autor de 69 livros, editados no Brasil e no exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org Ali os encontrará a preços mais baratos e os receberá em casa pelo correio.
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