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quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

 


  Frei Aloísio Fragoso


 

    Começou, esta semana, na liturgia da Igreja Católica, o tempo do ADVENTO, palavra que exprime uma das mais doces sensações humanas, que brota da esperança: Alguém está chegando e  traz uma surpresa maravilhosa.

      À luz deste anúncio,  gostaria de abordar um outro assunto, à margem deste, porém conectado com ele. Sinto esta  necessidade a fim de desarmar os espíritos e facilitar o caminho até Belém. Nossa Fé é vivida dentro da realidade histórica e o tempo de Deus se mistura com o nosso, convergindo para um fim comum.

     Os sentimentos nascidos da Fé, às vésperas do Natal, colidem com outros sentimentos de euforia ou indignação, logo após o término das eleições municipais.

     Os eleitores, de um lado e de outro, são denominados de "vencedores" e "derrotados". Aí está um equívoco. Não merece o título de vencedor quem quer que seja que recebe a maioria dos votos das urnas, hoje, e  amanhã inicia sua tarefa de governar a cidade. Só se saberá se este título lhe compete no último dia da sua gestão, na hora de conferir  promessas e realizações. E aí só haverá um juiz: o povo; só haverá um critério de avaliação: o bem comum.  Um governante pode administrar uma cidade, mas não as expectativas de seus habitantes.

     Da mesma forma, os "derrotados" não perdem as chances de continuar exercendo sua cidadania e fazendo política de modo eficaz e fascinante. Logo, não foram derrotados e sim removidos em suas funções para outros espaços. Seria empobrecer gravemente a democracia imaginar que a política partidária é o único ou o melhor segmento para se influir  nos destinos do país.

     Confesso que estranhei a reação de algumas vozes críticas da esquerda, ao avaliar  os resultados da votação e "descobrir" o grande culpado: o povo, "o povo que não sabe votar", "o povo analfabeto", "o povo que se vende por 30 moedas", "o povo que merece a fome que passa", etc.

      Pra começar, povo não existe, é uma abstração, mero conceito, só adquire identidade quando recebe nome próprio, Pedro, Joana, Anderson, etc. Nada mais fácil do que transferir culpas para o coletivo conceitual (povo, militância, facção) e assim fugir do confronto com a responsabilidade pessoal (eu, você, nós).

     Somente quem vive o cotidiano da população marginalizada e penetra fundo em sua alma, tem o direito de ensaiar uma interpretação de suas intenções, conscientes ou subconscientes. Há séculos este povo é iludido por promessas que se reprisam em intervalos de 4 ou 8 anos. Quando surge um líder com quem se identifica, suas expectativas são abortados pelos que não admitem um "Projeto Político Popular". Povo existe para ser governado, jamais para governar, dizem estes. Muitas vezes só lhe resta apostar no rodizio dos poderes constituídos: "vamos ver quem dá mais"! E neste verbo "dar"se esconde a terrível ilusão, que favorece a Direita, mestra  em oferecer favores e esmolas, e desafia a Esquerda, comprometida em proporcionar oportunidades e caminhos participativos.

     De qualquer forma, seria correr o risco de perder de vez as massas populares desconhecer que por trás das suas reações  se oculta uma mensagem criptografada. E isso é também intuição e sabedoria.

      O mais consultado  pensador político da História, Maquiavel, escreve: "o vulgo (povo) se deixa impressionar pelas aparências e pelos efeitos, mas é o vulgo que faz o mundo".

     Enfim, o que é que tudo isso tem a ver com o Advento e o Natal? Tem a ver sim! A vinda do Messias foi vaticinada, 4 séculos antes, com estas palavras do profeta Isaías: "o povo que andava nas trevas viu uma grande luz" Is. 9,2. Chegado o Messias, foi o povo quem primeiro o reconheceu publicamente: "este sim fala com autoridade e não como os Doutores da Lei" Mt. 7,29. Mas um dia ele teve que ouvir a dura advertência de Jesus: "este povo me louva com os lábios, mas seu coração está bem distante de mim, pois se eu não realizar milagres, não acreditam" Mt. 15,8. Ao final, a multidão  deixou Jesus entregue à própria sorte, na hora de escolher entre Ele e Barrabás. Do que se conclui que povo é também "sinal de contradição", às vezes age como gente sábia e consciente, outras vezes, como massa volúvel e influenciável.  Nossa tarefa é encetar o trabalho, que exige infinita paciência, de educá-lo, e a nós mesmos, para uma nova visão de Fé e de História.

     O Natal é um momento em que tomamos conhecimento da  estratégia de Deus. Ele nos manda uma Criança, frágil, indefesa, desconhecida. E, através desta Criança, nos envia seu recado: Eu sou Amor. Antes de ser Poder, eu sou Amor. Ele se despoja da sua onipotência a fim de nos livrar do medo e da acomodação.

      Tenhamos em mente o seguinte: este acontecimento tem mais de 20 séculos esperando a nossa conversão.  O prazo em que almejamos ver resultados concretos é o curto tempo de nossa existência individual, enquanto o tempo de Deus e, consequentemente, da História, são milhões de anos. É nesta medida do tempo que se insere a nossa Esperança.

     Não será nada fácil falar de esperança neste tempo em que nova onda de Coronavírus nos amedronta. Tentaremos nas próximas reflexões.

 Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.

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