Frei Aloísio Fragoso
Começou, esta semana, na liturgia da Igreja
Católica, o tempo do ADVENTO, palavra que exprime uma das mais doces sensações
humanas, que brota da esperança: Alguém está chegando e traz uma surpresa maravilhosa.
À luz deste anúncio, gostaria de abordar um outro assunto, à
margem deste, porém conectado com ele. Sinto esta necessidade a fim de desarmar os espíritos e
facilitar o caminho até Belém. Nossa Fé é vivida dentro da realidade histórica
e o tempo de Deus se mistura com o nosso, convergindo para um fim comum.
Os sentimentos nascidos da Fé, às vésperas
do Natal, colidem com outros sentimentos de euforia ou indignação, logo após o
término das eleições municipais.
Os eleitores, de um lado e de outro, são
denominados de "vencedores" e "derrotados". Aí está um
equívoco. Não merece o título de vencedor quem quer que seja que recebe a
maioria dos votos das urnas, hoje, e
amanhã inicia sua tarefa de governar a cidade. Só se saberá se este título
lhe compete no último dia da sua gestão, na hora de conferir promessas e realizações. E aí só haverá um
juiz: o povo; só haverá um critério de avaliação: o bem comum. Um governante pode administrar uma cidade,
mas não as expectativas de seus habitantes.
Da mesma forma, os "derrotados"
não perdem as chances de continuar exercendo sua cidadania e fazendo política
de modo eficaz e fascinante. Logo, não foram derrotados e sim removidos em suas
funções para outros espaços. Seria empobrecer gravemente a democracia imaginar
que a política partidária é o único ou o melhor segmento para se influir nos destinos do país.
Confesso que estranhei a reação de algumas
vozes críticas da esquerda, ao avaliar
os resultados da votação e "descobrir" o grande culpado: o
povo, "o povo que não sabe votar", "o povo analfabeto",
"o povo que se vende por 30 moedas", "o povo que merece a fome
que passa", etc.
Pra começar, povo não existe, é uma
abstração, mero conceito, só adquire identidade quando recebe nome próprio,
Pedro, Joana, Anderson, etc. Nada mais fácil do que transferir culpas para o
coletivo conceitual (povo, militância, facção) e assim fugir do confronto com a
responsabilidade pessoal (eu, você, nós).
Somente quem vive o cotidiano da população
marginalizada e penetra fundo em sua alma, tem o direito de ensaiar uma
interpretação de suas intenções, conscientes ou subconscientes. Há séculos este
povo é iludido por promessas que se reprisam em intervalos de 4 ou 8 anos.
Quando surge um líder com quem se identifica, suas expectativas são abortados pelos
que não admitem um "Projeto Político Popular". Povo existe para ser
governado, jamais para governar, dizem estes. Muitas vezes só lhe resta apostar
no rodizio dos poderes constituídos: "vamos ver quem dá mais"! E
neste verbo "dar"se esconde a terrível ilusão, que favorece a
Direita, mestra em oferecer favores e
esmolas, e desafia a Esquerda, comprometida em proporcionar oportunidades e
caminhos participativos.
De qualquer forma, seria correr o risco de
perder de vez as massas populares desconhecer que por trás das suas
reações se oculta uma mensagem
criptografada. E isso é também intuição e sabedoria.
O mais consultado pensador político da História, Maquiavel,
escreve: "o vulgo (povo) se deixa impressionar pelas aparências e pelos
efeitos, mas é o vulgo que faz o mundo".
Enfim, o que é que tudo isso tem a ver com
o Advento e o Natal? Tem a ver sim! A vinda do Messias foi vaticinada, 4
séculos antes, com estas palavras do profeta Isaías: "o povo que andava
nas trevas viu uma grande luz" Is. 9,2. Chegado o Messias, foi o povo quem
primeiro o reconheceu publicamente: "este sim fala com autoridade e não
como os Doutores da Lei" Mt. 7,29. Mas um dia ele teve que ouvir a dura
advertência de Jesus: "este povo me louva com os lábios, mas seu coração
está bem distante de mim, pois se eu não realizar milagres, não acreditam"
Mt. 15,8. Ao final, a multidão deixou
Jesus entregue à própria sorte, na hora de escolher entre Ele e Barrabás. Do
que se conclui que povo é também "sinal de contradição", às vezes age
como gente sábia e consciente, outras vezes, como massa volúvel e
influenciável. Nossa tarefa é encetar o
trabalho, que exige infinita paciência, de educá-lo, e a nós mesmos, para uma
nova visão de Fé e de História.
O Natal é um momento em que tomamos
conhecimento da estratégia de Deus. Ele
nos manda uma Criança, frágil, indefesa, desconhecida. E, através desta
Criança, nos envia seu recado: Eu sou Amor. Antes de ser Poder, eu sou Amor.
Ele se despoja da sua onipotência a fim de nos livrar do medo e da acomodação.
Tenhamos em mente o seguinte: este
acontecimento tem mais de 20 séculos esperando a nossa conversão. O prazo em que almejamos ver resultados
concretos é o curto tempo de nossa existência individual, enquanto o tempo de Deus
e, consequentemente, da História, são milhões de anos. É nesta medida do tempo
que se insere a nossa Esperança.
Não será nada fácil falar de esperança
neste tempo em que nova onda de Coronavírus nos amedronta. Tentaremos nas
próximas reflexões.
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