Pe Fabio Potiguar dos Santos
Ela chegou bem perto de mim, olhou bem dentro de meus olhos, no caroço dos meus olhos – aquela parte onde tem um frecha, uma brecha, uma janela, uma porta para alma- e disse, bem baixinho, quase sussurrando, mas como se fosse um grito: “Não, Deus não existe! É somente uma poesia para suportar esta vida de muita dor.
Seja o Tupã ou Guaracy dos índios, seu padre! Também o Montubá ou Olorum dos orixás trazidos pelo sofrido povo da África é também só poesia. O senhor gosta de poesia, não é mesmo, seu padre? Tão pouco esse Deus de Abraão em que creem os judeus, cristãos e muçulmanos. Odeio esse seu Deus cristão católico, só menos perverso ao das seitas fundamentalistas dos pentecostais.
Seu Deus, seu padre, é uma droga, uma maconha, um ópio. Acreditar nele é dá um atestado de que não passa de um sarcástico, um impotente, um malvado assistindo de sua mais alta tecnologia celestial o drama, a tragédia e a comédia da existência humana. Professar minha fé em qualquer um deles, seja daqui do Ocidente ou as deidades hindus ou a mística budista é o mesmo que confessar que ele matou meu filho com os tiros de balas perdidas.
Então deixa-o de fora. Assim não terá mérito nem culpa. Ainda quando cria não pedia nem agradecia pelas chuvas. Se não chovesse, sabendo Deus o que isso significa para um sertanejo, então ele é muito mau. Se chovesse, então ele é bom? Decidi que era uma questão climática e não religiosa e pronto. Fale alguma coisa, padre! Fale alguma coisa, desde que não seja essa outra poesia sua de que Deus é um Deus Humilde e Sofredor de suas homilias, dos seus artigos, do seu livro.
No começo até que gostei da ideia, dessas suas palavras de um Deus não caricato nas missas e cultos cheios de ostentação mundana, profana, pagã, luxuosa, cafona. No começo até gostei desse Deus na terra com jarra, bacia e o toalhas nas mãos e nos céus de bandeja e avental. Sim, no começo até gostei de ouvir o senhor falar de um Deus que sofre conosco e em nós, carne de nossa carne de agonia e prazer. Um Deus mais solidário do que poderoso. Também era interessante a vitória desse Deus depois de crucificado e morto, vencer sem revanches, de triunfar sem triunfalismos. Ria quando o senhor dizia que se fosse um de nós seria bem provável que fôssemos tirar onda com a cara dos sumos sacerdotes Anás e Caifás numa visita de supressa a casa deles ou numa reunião do Sinédrio inteiro, sem não antes passar por Pilatos e Herodes quando fosse se exibir para todo mundo no templo de Jerusalém. Sim, por um tempo essa vitória discreta e com sobriedade tinha todo a ver com quem se dizia manso e humilde do coração.
Mas, até nisso também não creio mais. Meu filho morreu! E para não ter problemas comigo nem com ele, de crente que era, já não creio mais. Não sou ateia nem agnóstica. O ateísmo é uma profissão de fé ao inverso e pelo avesso. Eu não professo nem de um jeito nem de outro. Não afirmo nem nego. O agnosticismo, seu padre, é aquela indiferença onde tanto faz deus existir ou não. Pronto, seu padre, não sou ateia nem agnóstica. Não creio e pronto, seu padre, entendeu? Ela perguntou se havia entendido e nem me esperou responder. Foi embora.
O que posso dizer sobre tudo que ouvi? Essa mulher tem mais fé do que muita gente aí, inclusive eu. Seu relacionamento com Deus é honesto. Talvez tenha sido a pessoa mais crente que já encontrei ou aquela que perdeu a fé e se encontrou de outro modo. Quanto a mim, vou por aqui, na alegria e na agonia da fé. Na consolação e desolação da fé. Nas certezas e nas dúvidas da fé. Nas vias teológicas afirmativa e negativa.
A via catafática da revelação, da afirmação e, a via apofática do mistério, da negação. Luz e escuridão. Trevas Luminosas. Essa fé que me enche de força, de amor, de paz, de alegria e de esperança. Essa fé que me enche de fé. Vou por aqui. As vezes minha fé é tão pequena e tão sofrida, menor do que um grão de areia, que não move montanhas, mas contudo, é a minha fé. Andar com fé eu vou e com todo sentimento e razão, cantar e dançar com Gilberto Gil “Andar com fé eu vou que a fé não costuma faiá ... a fé tá na maré, na luz, na escuridão ...a fé tá na manhã, a fé tá no anoitecer. Oh, oh, no calor do verão”.
Essa fé é dom, sim, Fábio Recebemos de graça e como graça.
ResponderExcluir