Frei Betto
Deus se fez pessoa em situação de rua para nos mobilizar em
favor de todos que são rejeitados, perseguidos, abandonados e
discriminados. Este é o melhor presente que podemos dar no Natal: nos
fazer presentes nos movimentos e nas mobilizações que defendem os direitos dos
que se encontram em situação de rua e combater a desigualdade social, para que
a nossa sociedade seja reflexo da comunidade de Jesus, na qual todos
partilhavam os pães, os peixes e o vinho.
Quem vive em cidades populosas
do Brasil encontra, por toda parte, pessoas em situação de rua. Muitas vítimas
do desemprego, da falta de escolaridade, da dependência química. Todas frutos
do descaso do poder público que não se empenha em combater as raízes do
principal problema brasileiro e mundial: a desigualdade social.
Em geral, a atitude de pessoas
de classes média e alta, ao cruzarem com as que se encontram em situação de
rua, é de indiferença, asco, medo ou fazem um gesto piedoso de oferecer algo,
comida ou dinheiro, para aliviar a consciência. Esses bem-nascidos, entretanto,
são em maioria cristãos e, agora, se preparam, junto com suas famílias, para
celebrar o Natal.
O que o Natal significa para
eles? Um adorno no canto da sala em forma de presépio e bonecos de Papai Noel?
Mera confraternização mercantilista na qual todos se sentem na obrigação de
presentear até mesmo a quem despreza? Uma ocasião de se empanturrar à mesa,
enquanto 24 mil pessoas morrem, por dia, de fome no mundo? Ou é, de fato, uma
festa religiosa centrada em um fato histórico paradigmático – Deus veio habitar
entre nós e assumiu a nossa condição humana!
Recordemos os relatos
evangélicos de Mateus e Lucas. Eles registram que Maria e José eram “noivos”.
Portanto, não estavam casados. No entanto, José encontra Maria, “antes que
se unissem, grávida pelo Espírito Santo. Por ser José, seu marido, um homem
justo, e não querendo expô-la à desonra pública, pretendia anular o casamento
secretamente.”
Aqui Maria se irmana a todas
as mães solteiras repudiadas pelos maridos. Pela lei judaica, José, desconfiado
da traição de Maria, poderia tê-la acusado de adultério, e ela seria condenada
à morte por apedrejamento. Porém, como a amava, pretendeu abandoná-la à própria
sorte. Deus, entretanto, o fez entender o mistério do nascimento de Jesus.
Para cumprir o recenseamento
pelo imperador romano, o casal se deslocou de Nazaré para Belém, terra da
família de José. Lá, os parentes de José se recusaram a hospedá-los. Com
certeza por estarem convencidos de que José engravidara a moça sem ter se
casado com ela. Aqui Maria e José se irmanam a todos que, repelidos do lar, se
encontram em situação de rua.
Sem ter para onde ir, Maria e
José ocuparam a manjedoura de um sítio. Aqui o casal se irmana a todos os
sem-terra e sem-teto. Logo após o nascimento de Jesus, o rei Herodes, informado
de que um rival havia nascido em Belém, ordena o massacre de todos os bebês.
Maria e José fogem com o Menino para o Egito. Aqui a família abençoada se
irmana a todos os perseguidos pelos poderosos, refugiados, exilados e
banidos.
Comemorar o Natal é, portanto,
rememorar todos esses episódios e dar a eles o sentido evangélico que merecem.
Deus se fez pessoa em situação de rua para nos mobilizar em favor de todos que
são rejeitados, perseguidos, abandonados e discriminados. Este, portanto, é o
melhor presente que podemos dar no Natal: nos fazer presentes nos movimentos e
nas mobilizações que defendem os direitos dos que se encontram em situação de
rua e combater a desigualdade social, para que a nossa sociedade seja reflexo da
comunidade de Jesus, na qual todos partilhavam os pães, os peixes e o vinho.
Quem sabe uma pessoa em
situação de rua, com vocação poética, tenha escrito este poema anônimo gravado
num muro: “Pra falar a verdade / nunca tive um pijama, / pra que, se nunca
tive cama? / Verdade verdadeira, nunca tive um brinquedo, / apenas tive
medo. / Mas hoje há tanto frio, tanta umidade, / que invento um cobertor
de sol poente / e um pijama de sonho em cama quente. / É bom brincar,
sonhar em ser gente.”
Frei Betto é escritor, autor de “Por uma educação crítica e participativa”
(Rocco), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org
Frei Betto é autor de 69 livros, editados no Brasil
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