Frei Betto
Jesus não nos pediu que não tenhamos inimigos, e sim que os amemos. O que é amar o inimigo? Lutar para que ele também se torne aberto ao projeto do Reino. Não se trata de libertar somente a classe trabalhadora, mas toda a sociedade, incluindo os opressores.
Uma
característica interessante do amor de Jesus aparece no episódio do encontro
com o homem rico (Marcos 10,17-22). Este indaga o que fazer para ganhar a vida
eterna (só os que já têm assegurada esta vida perguntam a Jesus como ganhar a
outra...). Jesus respondeu: "Você conhece os mandamentos", e
recitou-os. O homem confirmou que, desde pequeno, cumpria todos. São Marcos
sublinha que "Jesus o amou" para, em seguida, acrescentar que ele
recomendou ao homem: "Vai, vende os teus bens, distribui aos pobres e
depois vem e me segue". Diz o Evangelho que "o homem foi embora
triste e aborrecido porque era muito rico".
O amor de Jesus
não o impediu de ser exigente. Eis o conceito de amor de Jesus: quem ama é
verdadeiro com o outro. Amar é fazer bem ao outro, ainda que isso doa muito.
Jesus, ao amar, levava as pessoas a encontrarem a verdade, mesmo que isso criasse
nelas antipatia por ele, como foi o caso dos fariseus.
É indisfarçável
nos evangelhos o lado irônico da personalidade de Jesus. Na parábola do bom
samaritano (Lucas 10, 25-37), o doutor da lei lhe perguntou: "O que devo
fazer para ganhar a vida eterna?" Jesus devolveu-lhe a questão: "O
que está escrito na lei?" Como se dissesse: "Você não é doutor,
formado? Por que pergunta isso a mim?" O doutor recitou de cor o texto
bíblico: "Amarás o Senhor teu Deus..." Jesus apenas retrucou:
"Faça isso e viverá".
Percebe-se claramente, pelo relato de Lucas, que o doutor ficou sem
graça. Serrou o galho e ele mesmo caiu. Por isso, devolveu a pergunta a Jesus:
"Mas quem é o meu próximo?" Jesus deu uma resposta factual,
qualitativamente muito diferente da resposta conceitual que o doutor da lei
havia dado.
Jesus não nos pediu que não
tenhamos inimigos, e sim que os amemos. O que é amar o inimigo? Lutar para que
ele também se torne aberto ao projeto do Reino. Não se trata de libertar
somente a classe trabalhadora, mas toda a sociedade, incluindo os opressores.
Libertá-los da vida indigna, dos falsos valores, da condição de exploradores,
das concepções monstruosas que trazem na cabeça sobre a divisão social. Porém,
acreditamos que o sujeito da libertação são aqueles que têm interesse na
conquista de uma nova ordem social. Os pobres são os bem-aventurados. Pois os
que já desfrutam de privilégios não querem abrir mão de seu conforto. Querem
perpetuar o presente, jamais buscar um futuro melhor para todos.
Muitos imaginam que, sendo
Deus, o homem Jesus teria a visão beatífica do Pai, como quem carregasse dentro
de si a contemplação direta da face de Deus. Ora, tal ideia é condenada pela
Igreja como herética, por negar a união hipostática Deus-homem em Jesus. Não se
pode aceitar que ele era Deus por dentro e homem por fora. Era totalmente Deus
e totalmente homem, por dentro e por fora. E tinha fé como nós temos. E até
passou por crises de fé, como nós passamos, a ponto de se sentir abandonado por
Deus.
Frei Betto é escritor, autor de “Diário de
quarentena – 90 dias em fragmentos evocativos” (Rocco), entre outros livros.
Livraria virtual: freibetto.org
Frei Betto é autor de 69 livros, editados no Brasil
e no exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org Ali
os encontrará a preços mais baratos e os receberá em casa pelo
correio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário