Frei Aloísio Fragoso
Terminado o tempo litúrgico do Natal,
permanece a sua Verdade essencial: "Nasceu-nos um Menino. Um Filho nos foi
dado. Seu nome é Conselheiro Admirável, Deus Forte, Príncipe da Paz"
Is.9,5
A partir deste anúncio do profeta, só nos
cabe fazer uma leitura do presépio original, com a visão transparente da Fé.
Descartem-se teologias, filosofias, tecnologias, porque nenhuma ciência possui
a força sobrenatural do olhar de uma criança pedindo para viver ou dos braços
de uma mãe imolando-se a si mesma para dar-lhe vida. Reste apenas a pura
contemplação.
O Natal é a festa da simplicidade de Deus,
só acessível aos simples de coração. Na simplicidade podemos desobstruir nosso
espírito da sobrecarga de medos, rancores, ressentimentos, e lutar e até sofrer
sem perder o gosto da festa da vida. Como as crianças. Precisamos de
combatentes capazes de combater cantando. Necessitamos de bons contadores de
lendas e anedotas, da mesma forma como necessitamos de inteligências lúcidas.
Todo nascimento é, por si mesmo, uma festa. Dar e receber retomam cores novas.
A singeleza do Natal, retratada na figura
do Menino Jesus, condena todo cinismo e insensibilidade, bem como toda
ideologização do seu mistério, que busca saídas cômodas. Deus não está por trás
dos sofrimentos humanos. Deus não é provedor das riquezas acumuladas por
ínfimas minorias sob o olhar mendicante dos excluídos. Ao nascer pobre, Jesus
deixa claro de que lado Ele está.
A
simplicidade dos pastores em torno ao presépio denuncia a cobiça dos
falsos pastores. Hoje em dia eles voltam
a proliferar convertidos em mercenários
da Fé. Tentam convencer os simplórios de que Deus mandou o seu Filho porque não
precisa de nós para nos redimir. Basta que lhe paguemos em dinheiro e submissão
a conta de seus milagres televisivos. Como se Deus, em troca de ouro e prata,
tivesse desistido de nossa parceria para construir a salvação.
A despeito de tudo isso, o Natal é a festa
do perdão de Deus. Além de enviar seu Filho Unigênito, Ele o mandou com este
recado: "eu não vim para julgar, vim para salvar." Ele não nos
condena, é a própria consciência que nos condena, se fazemos uso dela; se dela
não fazemos uso, então que nos condene o olhar do pobre!
Desde então, o que de melhor temos a fazer
é acolher o dom que se oferece: o dom desta fraqueza aparente do Menino Deus,
que transforma em força nossa fraqueza real. E assim matar nossa fome do
Absoluto. Nossa fome é uma só e é indivisível:
fome-de-pão-fome-de-vida-fome-de-Deus.
Era uma vez uma aldeia perdida no meio de
montanhas. Engastada ao pé de um imenso rochedo. A natureza tinha esculpido
neste rochedo uma gigantesca figura, muito semelhante à figura de um homem. Por
causa de suas dimensões enormes, por causa também de sua expressão real e
grandiosa, aquele rochedo reinava sobre toda a região. Os habitantes olhavam
para ele como se fosse um ser vivo. Com o tempo criou-se uma lenda que passava
de boca em boca, de geração em geração e dizia o seguinte: um dia um homem de
maravilhosa bondade, assemelhando-se, traço por traço, à figura da montanha,
vai aparecer em nosso povoado, vai derramar suas virtudes, espalhar seus
grandes benefícios. Ele será o nosso Redentor.
Um adolescente da aldeia ficou tão
impressionado com essa estória, que não parava mais de refletir e levantar os olhos
para a montanha. Todo momento que tinha livre corria para perto da figura e se
punha a contemplar e a pensar: como será ele? O que dirá? O que fará? Como vai
nos libertar? Nesse estado de espírito,
perseverou, ano após ano, até chegar à idade de homem feito.
Eis que, um belo dia, ao dirigir-se ele
para a praça da aldeia, os moradores ergueram os olhos e tiveram uma grande
surpresa. Os traços da figura da montanha resplandeciam nele. Ele era o Libertador.
De tanto contemplar o objeto de seus
sonhos e da esperança do seu povo, ele acabou incorporando suas formas e
fazendo a lenda virar realidade.
É assim que devemos contemplar o mistério
do Natal.
Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano,
coordenador da Tenda da Fé e escritor.
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