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sábado, 26 de dezembro de 2020

NATAL EM TEMPOS DE CORONAVIRUS - UM LUGAR PARA O MENINO NASCER

 

Frei Aloísio Fragoso


 

    Em alguma região da terra, um casal pobre, em ansiosa calma, procura um lugar seguro para seu filho nascer. Cansados, sentam-se em um banco da praça, sobre o qual alguém deixara aberto o jornal do dia. Então aquela que estava grávida falou:

 

    - José, a Criança se mexe em meu útero. Onde encontraremos um lugar para ela nascer em paz e segurança?

    - Bendito seja o nome de Javé! Que tal repetirmos o cenário da primeira vez: Belém!  Que achas, Maria?

    - Não. Não dá. Veja o que está escrito aqui na primeira página: "Governo de Israel proíbe visitas de migrantes aos Lugares Sagrados". Se apresentarmos nosso filho como pacificador, "o que vem transformar espada em arado", eles dirão que somos traidores".

 

    - Vamos então apostar naquelas terras que por primeiro foram cristianizadas. Roma, por ex.

    - Esqueçamos Roma, José;  ali, como em outros países do continente europeu, seremos proibidos de deitar nosso filhinho  sobre palhas,  numa manjedoura. Não deixarão que entrem no recinto a vaca, o jumentinho e os cordeiros. Trarão um berço de ouro cravejado de pedras preciosas. E eu me sentirei uma péssima atriz.

 

    - Pensemos em um lugar bem mais distante, habitado por gente pobre igual à gente: a África negra, que dizes?

    - Maria silencia um momento, folheando o jornal, e se depara com uns versos, na "Coluna Cultural": "pintor de santos de alcova / pintor sem pátria no peito / que quando pintas teus santos / não te lembras do teu povo / que quando pintas tuas virgens / pintas anjinhos bonitos / porém nunca te lembraste / de pintar um anjo negro". Mostra os versos a José e diz: trata-se de um justo protesto. Aquelas terras foram escravizadas, durante séculos, pelos que tem a cor do nosso filho. Quem garante que não seremos odiados?

 

    - Em meio a tantos perigos, Maria, proponho que nos refugiemos na nação mais poderosa da terra, governada por um homem imensamente poderoso. Com certeza eles nos protegerão, os Estados Unidos...

    - Cala-te, José! Malditas sejam tuas palavras, elas me fazem lembrar Herodes, o assassino de crianças. Maria acabara de ler outra manchete do jornal,  "Presidente dos Estados Unidos decreta expulsão de migrantes mexicanos, separando crianças de seus pais". Apressemo-nos, José, estão voltando as dores de parto.

 

    - Estou pensando numa melhor solução: um país do hemisfério sul; ali habita o maior número de pessoas que acreditaram na Palavra do nosso Filho. A fé deles nos dará segurança. O Brasil, o Brasil. Desta vez José mesmo avistou, no jornal, em mãos de Maria, esta notícia: "Caos no Brasil, 180.000 mortos de coronavirus".

     Os dois se olharam assustados e rezaram em silêncio uma oração pelos mortos da pandemia. A seguir, tendo invocado o nome do Altíssimo, decidiram: vamos dar à luz o nosso filho em um lugar que ninguém saiba onde seja,  nenhum jornal noticie, os orgulhosos jamais cheguem lá e os simples da terra procurem até encontrá-lo.

    E saíram caminhando à  procura de uma manjedoura. Maria se pôs a cantar: "O Senhor fez

em mim maravilhas..."

 

    E sobre o banco da praça, o jornal do dia estampava sua principal manchete: "Lojas e supermercados temem fracasso de vendas neste Natal".

 Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.

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