Frei Aloísio Fragoso
Em alguma região da terra, um casal pobre,
em ansiosa calma, procura um lugar seguro para seu filho nascer. Cansados,
sentam-se em um banco da praça, sobre o qual alguém deixara aberto o jornal do
dia. Então aquela que estava grávida falou:
- José, a Criança se mexe em meu útero.
Onde encontraremos um lugar para ela nascer em paz e segurança?
- Bendito seja o nome de Javé! Que tal
repetirmos o cenário da primeira vez: Belém!
Que achas, Maria?
- Não. Não dá. Veja o que está escrito aqui
na primeira página: "Governo de Israel proíbe visitas de migrantes aos
Lugares Sagrados". Se apresentarmos nosso filho como pacificador, "o
que vem transformar espada em arado", eles dirão que somos
traidores".
- Vamos então apostar naquelas terras que
por primeiro foram cristianizadas. Roma, por ex.
- Esqueçamos Roma, José; ali, como em outros países do continente
europeu, seremos proibidos de deitar nosso filhinho sobre palhas,
numa manjedoura. Não deixarão que entrem no recinto a vaca, o jumentinho
e os cordeiros. Trarão um berço de ouro cravejado de pedras preciosas. E eu me
sentirei uma péssima atriz.
- Pensemos em um lugar bem mais distante,
habitado por gente pobre igual à gente: a África negra, que dizes?
- Maria silencia um momento, folheando o
jornal, e se depara com uns versos, na "Coluna Cultural":
"pintor de santos de alcova / pintor sem pátria no peito / que quando
pintas teus santos / não te lembras do teu povo / que quando pintas tuas
virgens / pintas anjinhos bonitos / porém nunca te lembraste / de pintar um
anjo negro". Mostra os versos a José e diz: trata-se de um justo protesto.
Aquelas terras foram escravizadas, durante séculos, pelos que tem a cor do
nosso filho. Quem garante que não seremos odiados?
- Em meio a tantos perigos, Maria, proponho
que nos refugiemos na nação mais poderosa da terra, governada por um homem
imensamente poderoso. Com certeza eles nos protegerão, os Estados Unidos...
- Cala-te, José! Malditas sejam tuas
palavras, elas me fazem lembrar Herodes, o assassino de crianças. Maria acabara
de ler outra manchete do jornal,
"Presidente dos Estados Unidos decreta expulsão de migrantes
mexicanos, separando crianças de seus pais". Apressemo-nos, José, estão
voltando as dores de parto.
- Estou pensando numa melhor solução: um
país do hemisfério sul; ali habita o maior número de pessoas que acreditaram na
Palavra do nosso Filho. A fé deles nos dará segurança. O Brasil, o Brasil.
Desta vez José mesmo avistou, no jornal, em mãos de Maria, esta notícia:
"Caos no Brasil, 180.000 mortos de coronavirus".
Os dois se olharam assustados e rezaram em
silêncio uma oração pelos mortos da pandemia. A seguir, tendo invocado o nome
do Altíssimo, decidiram: vamos dar à luz o nosso filho em um lugar que ninguém
saiba onde seja, nenhum jornal noticie,
os orgulhosos jamais cheguem lá e os simples da terra procurem até encontrá-lo.
E saíram caminhando à procura de uma manjedoura. Maria se pôs a
cantar: "O Senhor fez
em mim
maravilhas..."
E sobre o banco da praça, o jornal do dia
estampava sua principal manchete: "Lojas e supermercados temem fracasso de
vendas neste Natal".
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