Frei Aloísio Fragoso
Em um sábado qualquer do mês de nissan,
Jesus entrou na sinagoga de Nazaré, na Galiléia. Abriu a Sagrada
Escritura e leu o texto de Is. 61,1-2: "Ele me enviou para dar a boa
notícia aos pobres, curar os corações feridos, proclamar a liberdade dos
escravos, por em liberdade os prisioneiros e promulgar o ano da graça de
Javé".
A seguir fitou os presentes e declarou:
"hoje se cumpre esta passagem que acabamos de ouvir" Lc.4,21.
Surpreendidos com suas palavras, seus
conterrâneos reagiram dizendo: "não é este o filho do carpinteiro José? De
onde lhe vem toda esta sabedoria?"
Lc. 4,22. E não acreditaram nele.
Eles precisavam de um Messias,
deslumbrante, glorioso, poderoso, triunfante. Um Messias capaz de livrá-los do
medo e do jugo de Roma, da Assíria, da Babilônia, das grandes potências. Capaz
de restaurar o reinado do rei David e iniciar o processo de vingança e domínio.
Esta figura postada ali, diante diante
de seus olhos, filho de carpinteiro,
nada tinha a ver com suas expectativas de 400 anos.
E o expulsaram da aldeia . Cfr. Lc.4,29
Passados mais de dois milênios, esta
mentalidade permanece viva e influente.
Faltam poucos dias para o Natal.
Acendem-se novamente os letreiros luminosos com o nome de Jesus. Para os que
crêem reacende-se um antigo e renovado desejo: "Queremos ver Jesus".
Onde podemos encontrá-Lo? Nos
lugares em que se expõem presépios
armados, só vemos um Menino-Jesus feito de raios luminosos, sem nenhuma
aparência de carne humana.
Como enxergar Nele as duas crianças que,
nestes dias, tiveram suas vidas ceifadas por balas perdidas, na grande
metrópole de São Paulo? Ou o pequenino e pobre Miguel que despencou para a
morte do alto de um edifício de luxo, nesta cidade de Recife, por incúria de adultos? Como lembrar aquele cadáver de criança
boiando em águas rasas, à beira-mar, entre
os náufragos de um barco superlotado de migrantes?
Se não temos olhos para descobrir esta
identificação, que sentido tem proclamar que "O Verbo se fez carne e
habitou entre nós"?
Jo. 1, 14.
Durante a pandemia do COVID 19, as crianças receberam o máximo de proteção,
foram resguardadas do vírus e de suas sequelas, foram incontestavelmente amadas. Contudo elas aparecem sempre como figurantes, jamais
protagonistas. Ninguém se dá ao trabalho de registrar os seus lances de
criatividade, de genialidade, de engenho e arte para sobreviver à catástrofe e
resistir à quarentena. O mundo venera as
crianças mas não escuta o que elas estão dizendo.
Assim fazemos com o Menino Deus. Olhamos para Ele como uma criancinha, um ser
de passagem que precisa crescer para adaptar-se às nossas tradições. Ao
contrário, Jesus vem romper com as nossas tradições e colocá-las em consonância
com o plano original de Deus.
Através dos séculos milhares de faces de
Jesus já foram pintadas por grandes artistas. Um deles, o francês Rouault,
deu-se ao trabalho de retratar dezenas destas faces, uma após outra, obcecado
pela idéia de transmitir em uma delas a expressão de todos os sofrimentos da
humanidade. Estes quadros estão hoje expostos em museus. Os fiéis preferem para
seu uso e devoção pinturas que não pareçam com seus rostos. Refazem a mesma
dificuldade, contestada por Jesus, descrita pelo evangelista, com o seguinte
diálogo:
-" Eu vou para junto
do Pai e vocês sabem também o caminho de
ir.
- Senhor, mostra-nos o
Pai, é isso o que mais queremos!
- Há tanto tempo estou
com vocês e vocês não me conhecem. Quem me vê, vê o Pai." Jo.14, ss
Eles não conseguiam reconhecer na face
humana do Filho o semblante do Pai.
No Natal Deus desmonta nossos esquemas
mentais. O que há de mais frágil, contido no que há de mais inocente, vem revelar o seu maior segredo: "Deus amou
tanto o mundo que lhe mandou seu Filho Unigênito". Jo.3,16.
Desvendar este mistério seja nossa tarefa
do Advento. E se concretize no esforço de identificar a face do Menino-Deus no
semblante das pessoas com quem convivemos e das outras que vamos encontrando
pelo caminho.
Com estes personagens armaremos um presépio
vivo, em nossa próxima reflexão.
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