Frei Betto
O governo BolsoNero é um
cabide de empregos para militares, com destaque para vários ministros, o
vice-presidente e o próprio presidente, embora este tenha saído corrido das
fileiras do Exército há mais de trinta anos. Os números variam, mas sempre apontam
mais de 6 mil militares nomeados pelo Executivo Federal, além de ocuparem 30%
dos cargos em empresas públicas, como o novo presidente da Petrobras. Seria
esse um governo militar ou um governo dos militares?
A militarização, entretanto,
não tem relação apenas com o número de fardados no governo. Trata-se de um
processo em que valores, modos de vida, princípios e normas que orientam o
mundo militar são transferidos para a administração pública, militarizando o
Estado. Tão problemático quanto quem faz, é o como faz e por que faz.
O que significa militarizar a
sociedade? A guerra como opção social e política não é algo inerente ao ser
humano. A militarização da sociedade é o que permite a naturalização do
militar, da guerra e das armas como alternativas à resolução de conflitos, seja
no âmbito doméstico, seja na geopolítica internacional. Ora, sem a
militarização as divergências não desapareceriam, mas a opção pela violência
armada como forma de resolvê-las seria considerada repugnante e injusta.
A ditadura implantada em 1964
aprofundou a militarização da sociedade brasileira. Setores de Igrejas apoiaram
e tiveram importante papel nesse processo, evocando o “Deus dos exércitos,
Senhor da guerra”...
Baseados nessa leitura, valores
militarizados se expandiram na sociedade, como a ideia de que vivemos dentro de
marcos hierárquicos, e devemos conformar-nos com o lugar que ocupamos na
hierarquia social: pobre (resignado), classe média (remediado), rico
(desculpabilizado). É a legitimação da desigualdade social, ainda que
flagrantemente injusta.
Outro “valor” é obedecer aos
superiores (civis, religiosos etc.), sem divergir quanto às normas e regras
adotadas. É a ideia de que as coisas sempre foram assim, e assim devem
continuar. Em um mundo hostil é necessário competir para ganhar, ser combativo.
O triunfo é estimulado em detrimento da relação solidária entre pessoas.
A militarização reforça a
noção de que é preciso estar sempre vigilante diante de potenciais riscos e
perigos que ameaçam a nossa sobrevivência. Para driblar o medo, é preciso ser
agressivo, forte, viril, dominante, mesmo se isso significar ser machista e
cruel.
Muitas vezes o adestramento
militar atinge um grau de violência que induz à desumanização do outro. Alunos
se tornam dispostos a matar seres humanos a partir da ordem de um superior, sem
duvidar, discutir ou divergir. O sentimento de empatia com dores e desejos do
outro é substituído pela relação amigo x inimigo. O discurso de ódio substitui
o da alteridade. O inferno e o inimigo são os outros, daí ser preciso
eliminá-los. Assim, a militarização de corações e mentes torna o outro
invisível e desprezível, o que justifica a violência. É o perfeito antagonismo
à noção de amar ao próximo como a si mesmo.
Desmilitarizar os espíritos e
a sociedade requer priorizar a segurança humana com relação à alimentação,
saúde, educação, acesso ao trabalho, respeito aos direitos humanos e ao meio
ambiente. É reivindicar horizontalidade diante de relações hierárquicas,
particularmente as que vitimam os mais pobres. E incutir solidariedade e
respeito pelo diferente, diante do racismo e da xenofobia; senso de igualdade
entre homens e mulheres, diante do sexismo das estruturas militares; e
internacionalismo e cooperação enquanto valores nacionais.
Há que se retomar a bandeira
da justiça e da paz, e da união entre povos próximos e distantes. E ousar olhar
nos olhos do outro para perceber, no reflexo, que somos todos humanos, irmãos e
irmãs.
Frei Betto é escritor, autor de “Cartas da prisão” (Companhia das
Letras), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org
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