Marcelo Barros
No mundo todo, a realidade da pandemia revela que este
modelo de sociedade não funciona mais. Isso se tornou ainda mais evidente no
Brasil que se transforma em um grande cemitério. Entre nós a Covid teve como
principais aliados a sociedade baseada nas injustiças sociais e um governo que
parece feliz em facilitar o trabalho do vírus assassino. Em tudo isso, um dos
elementos mais escandalosos é o apoio por parte de amplos setores do
Cristianismo católico e evangélico a essa política que ama a violência, prega
discriminações sociais e se proclama inimigo da Amazônia e da natureza.
Diante dessa realidade, no mês de abril recordamos a
vida de dois mártires cristãos, ambos vindos de Igrejas evangélicas. No dia 04
de abril de 1968, nos Estados Unidos, era assassinado o pastor batista
Martin-Luther King por sua luta em defesa dos direitos civis da população
negra. No dia 09 de abril de 1945, no campo de concentração de Flossemburg, na
Alemanha, foi enforcado o pastor Dietrich Bonhoeffer por ter se colocado contra
o Nazismo e pregar que a Igreja só é cristã se se opuser a qualquer política
totalitária de ódio e se assumir a defesa de negros, judeus e quaisquer
minorias oprimidas.
Martin-Luther King afirmava: “O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons. Mais
do que a violência de poucos, me assusta a omissão de muitos”.
Quando em 1933, na Alemanha, Hitler chegou ao poder, muitos
bispos, padres e pastores acolheram favoravelmente o advento do Nazismo. Em
particular, o grupo dos chamados "cristãos-alemães" tornou-se
porta-voz da ideologia nazista dentro da Igreja. Eles chegaram a pedir que as
Igrejas eliminassem de suas Bíblias o Antigo Testamento, por ter sido escrito
por judeus. Na Igreja Luterana, os pastores aceitaram fazer um acordo com o
governo. Por este acordo, concordavam em não ordenar padre ou pastor que não
fosse branco, de raça ariana. Bonhoeffer foi o primeiro a se opor a isso e a defender
publicamente que a Igreja tinha o dever de se opor à injustiça política. Ele
passou a organizar a resistência política dentro das Igrejas.
A Igreja se dividiu em duas e a maioria dos ministros
e comunidades era favorável ao regime. Ao contrário, se chamava Igreja
Confessante a minoria de pastores e comunidades que se opunham ao Nazismo. Eram
os que se pronunciavam claramente contrários à prisão e assassinato de judeus,
comunistas e homossexuais perseguidos pelo sistema. Em 1943, Bonhoeffer foi
preso, acusado de ajudar um grupo de judeus a fugirem da Alemanha. Na prisão e
depois no campo de concentração, Bonhoeffer escreveu livros e uma coleção de
cartas. Ali ele afirmava: “Ninguém que
tenha fé cristã tem o direito de fugir para a dimensão religiosa e não assumir
posição crítica frente ao que está acontecendo”. Conseguiu ser libertado, mas, em julho de
1944, foi preso novamente, desta vez por ter participado de um atentado contra
Hitler. Desta vez, foi condenado à morte e acabou executado.
Bonhoeffer é considerado um dos maiores teólogos cristãos
do século XX. Ele viveu a fé engajada no mundo em uma ação social crítica e
libertadora. Essa espiritualidade o levou a dar a sua vida como mártir contra a
política assassina. Denunciou um modelo de Igreja ligado ao poder político
opressor. Ele rejeitava um deus tapa-buraco das necessidades humanas, ao qual
recorremos quando não conseguimos resolver nossos problemas. Pregava contra uma
piedade que nos tira do mundo. Propunha “viver
na intimidade de Deus, mas como se Deus não existisse”. Isso significava
assumir uma responsabilidade humana de adultos que não precisam de Deus para
ser pessoas justas, dignas e solidárias.
A celebração da Páscoa pode nos ajudar a viver isso.
Conforme a fé cristã, a partir da ressurreição, o Cristo não está nos templos.
Está em nós para nos tornar mais humanos/as e capazes de amar.
Marcelo Barros, monge beneditino e escritor, autor de 57 livros dos quais o mais recente é "Teologias da Libertação para os nossos dias", Ed. Vozes, 2019. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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