Marcelo Barros
Quando, no
Brasil, atingimos a marca de mais de doze milhões de pessoas que contraíram o
coronavírus e a cada dia sobe descontroladamente o número de pessoas falecidas,
não é fácil falar em esperança. Menos ainda, parece ter sentido em insistir em
fazer festa. No entanto, a festa encerra em si mesma algo de terapêutico e
profundamente humano que está no coração de todas as culturas. Mesmo em meio a
todo sofrimento provocado por esta pandemia, há uma semana, as comunidades
judaicas celebravam a festa da Páscoa. Nesta semana, são as Igrejas cristãs do
Ocidente que entram no clima da festa pascal.
Até hoje, nas comunidades judaicas, a Páscoa é chamada “Pezah
zeman herutenu” : “a estação da nossa libertação”. O cristianismo
fala de “festa da Ressurreição”. A forma e o conteúdo das celebrações variam,
mas a raiz é a mesma. Na Páscoa judaica se recorda a noite na qual, antigamente, o Senhor libertou os hebreus da
escravidão. Os cristãos celebram essa memória e acrescentam o memorial da morte
e ressurreição de Jesus. Ser cristão/ã é testemunhar ao mundo a energia da
ressurreição, atuante em Jesus e por seu Espírito, em todas as pessoas que o acolhem.
Os poderes da
morte continuam agindo. O desamor organiza um mundo escravo do dinheiro e do
poder. A sociedade dominante se mostra cada vez mais cruel e sem compaixão. Celebrar
a Páscoa não vai mudar mecanicamente esta situação social, política e econômica
que vivemos. Não transformará os corações empedernidos de quem promove ou apoia
as desigualdades sociais e a injustiça estrutural sobre as quais a sociedade se
baseia. Nada poderá eliminar a pandemia, nem transformar a realidade se aqueles
que dominam a sociedade optam por salvar acima de tudo o comércio, mesmo à custa
de milhares de vidas. Mas, no coração de muita gente, os gritos de Páscoa
ressoam teimosamente. No meio das mais áridas paisagens, as flores resistem.
Mesmo a lagarta mais asquerosa é chamada a uma mudança radical. Rompe o casulo,
ganha asas para voar e se transforma em uma linda borboleta. É símbolo da
vocação de todo ser humano para o caminho pascal da liberdade.
Na Bíblia, o termo ressurreição sempre aparece como
sinônimo de levantamento. Ressuscitar é levantar para a vida e para a
liberdade. O termo começou a ser usado para expressar a restauração da
liberdade do povo. E Jesus o usou mas sempre para indicar a vida nova que o Pai
lhe deu, mas também a energia divina para transformar o universo e renovar a
vida de toda a humanidade.
O nosso saudoso mestre e profeta Pedro Casaldáliga dizia
que a missão dos discípulos e discípulas de Jesus é espalhar ressurreição pelo
mundo. Essa missão se realiza quando se opta por viver em comunidade como
parábola de um mundo novo. Essa é a vocação das Igrejas cristãs: ensaiar uma
nova forma de comunhão humana. No entanto, essa missão transcende as fronteiras
e muros das Igrejas. Quem, durante esta pandemia, deixa sua zona de conforto e
segurança e se arrisca a organizar a solidariedade às pessoas e comunidades
mais vulneráveis testemunha a ressurreição. Quem luta pela democratização da
água como bem comum da humanidade e de todos os seres vivos cultiva
ressurreição. Quem luta contra a energia nuclear e defende o progresso humano
com justiça e a partir dos mais vulneráveis semeia ressurreição. Quem no dia a
dia refaz os pequenos gestos de carinho e cuida dos sinais de delicadeza entre
as pessoas e com todos os seres vivos testemunha ressurreição.
Em cada atitude desta, é o próprio Jesus ressuscitado que
se revela vivo entre nós. Mesmo com o corpo ferido e as chagas abertas nas
mãos, nos pés e no peito, está vivo e resistente. Seus discípulos se alegram em
vê-lo vivo e lembram sua palavra: “Filhinhos,
no mundo vocês sempre terão aflições. Tenham coragem: eu venci o mundo”(Jo
16, 33).
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