FREI ALOÍSIO FRAGOSO
(23/04/2021)
Voltamos a falar sobre paciência, uma
virtude sem teologia, sem religião, sem popularidade, tão útil e trivial, na
convivência das pessoas, que talvez já tenha perdido o status de virtude. Ela
não brilha como as virtudes cardeais, contudo nenhuma outra sobrevive sem os
seus serviços (imagine amor sem paciência; esperança sem paciência, não dá.)
Ela está para as demais virtudes assim como o ato de respirar, para os outros
órgãos do corpo humano.
Apesar de tamanha importância, não se
conhece nenhum poema em seu louvor, nenhuma canção (há uma exceção, confirmando
a regra: do compositor Lenin, "Paciência", mas vejam o que ele diz
logo no começo: "enquanto todo mundo espera a cura do mal, e a loucura
finge que tudo isso é normal, finjo ter paciência"); nenhum monumento
público, nem a simples homenagem de uma salva de palmas, só mesmo imprecações -
"haja paciência!" "Não me torre a paciência!" "Estou
perdendo a paciência!"
Só há um momento em que ela reina
soberana e bate todos os records, é na hora de confessar os pecados, aí nenhum
penitente escapa. Até mesmo para este meu escrito alcançar sua finalidade,
preciso da paciência dos leitores.
Avaliemos, pois, esta virtude para além de
discursos teóricos ou lições de moral. Ela é tão prática, tão indispensável,
que tudo se resume na famosa máxima shakespeareana: ser ou não ser paciente,
ter ou não ter paciência. Quando dissemos que ela não tem religião ou teologia
foi no sentido de que ela paira acima de qualquer posição religiosa e foge ao controle
de qualquer Igreja. Ela não garante o céu aos cristãos, nem o nirvana aos
budistas, nem as delícias do Paraíso aos muçulmanos. O que ela promete ao fiel
devoto promete igualmente ao ateu assumido, a saber, sabedoria para
confrontar-se com os acontecimentos e as pessoas, pelas estradas da vida.
Por todas estas razões, ela é, por
excelência, um atributo divino. O que seria de nós se Deus não fosse
infinitamente paciente? Se coubesse aqui esta analogia, eu diria que esta é a
virtude de que Ele mais se utiliza, na sua misericórdia. Quando afirmamos que
Deus é Amor, podemos acrescentar que a sua forma de nos amar é sobretudo
exercendo a paciência conectada com o perdão.
Por trás desta conduta esconde-se uma
idéia de compaixão, que é monopólio divino, a idéia de nenhuma bondade ser definitiva e nenhuma
maldade ser para sempre. No entanto, não faltam indícios de imitação, na
sabedoria dos povos. Missionários franciscanos conheceram uma tribo indígena
cujo idioma não possui a palavra
não. Em lugar dela, para
dar uma resposta negativa, diz-se outra palavra que significa "ainda
não". Que bela expressão de paciência!
A esta altura, já é tempo de perguntar:
não existe nenhum critério para demarcar até onde tem de ir a paciência? - Existe um limite, sim, que não afeta a sua
essência, mas a sua forma de atuar. Um pai não atenta contra a paciência quando
usa de plena firmeza diante de uma insistência do filho ou encerra o diálogo
com um categórico "não!" O critério é sempre o mesmo: o BEM MAIOR em vista.
Diante das omissões e irresponsabilidades
do Chefe da nação e de seus assessores mais próximos, especificamente no que
diz respeito ao enfrentamento desta pandemia, nós, milhões de brasileiros e
brasileiras que atingiram um nível de pressão arterial próximo a um AVC
coletivo, não faltaremos com a paciência, se usarmos todos os meios possíveis,
dentro do bom senso constitucional, para afastá-los dali, onde nunca deviam ter
chegado.
Na Última Ceia, Jesus conheceu a situação-limite da sua paciência
com os planos do Iscariotes. E só continuou a Celebração depois que ele se
retirou da sala. Mas não perdeu a paciência, apenas disse-lhe: "o que tens
a fazer, faze-o logo" Jo.13,27.
Amém.
Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da
Tenda da Fé e escritor
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