FREI ALOÍSIO FRAGOSO
(14/04/2021)
Surpreendido pela repercussão da nossa
Reflexão anterior, com o título acima, proponho-me a dar-lhe um segundo capítulo,
embora não previsto. Mais do que aplausos, valeram os comentários
enriquecedores e complementares de leitores e leitoras. Deles colhi o sentimento de que esta tensão real entre o
supérfluo e o necessário bate pesado na consciência de muita gente. E dói. Se
esta dor produzir conversão de vida, movimento de pés e mãos, bendita seja ela!
Desta vez, no entanto, eu gostaria de me substituir por uma voz mais
confiável, uma voz que, neste momento da História humana, tornou-se uma espécie
de eco da consciência universal. Estou falando do Papa Francisco. Este tema a
que nos propomos tem sido uma constante em suas declarações escritas, faladas
ou testemunhadas.
Na sua encíclica "Laudato Si"
ele propõe uma sociedade de superação do supérfluo. Uma sociedade onde as
riquezas superabundantes postas à disposição de uma minoria de afortunados
sejam convertidas em bens suficientes em favor de todos os necessitados. Não é
apenas a tendência natural, a que chamamos de pecado original, que nos faz
hedonistas insaciáveis, é também a oferta infinita de seduções consumistas, a
que chamamos de objetos do desejo. Mal começamos a usar um produto, já aparecem
dezenas de outros da mesma natureza, forçando-nos a adquiri-los, sob pena de
sermos tidos como ultrapassados ou decadentes. O Papa chama esta situação de
"cultura do descarte". Os objetos transformam-se rapidamente em
detritos e a terra corre o risco de virar um imenso depósito de lixo. (Em lugar
algum lugar este lixo será jogado e outros seres humanos irão catar aí a sua
sobrevivência).
Daí suas propostas práticas: é preciso
acabar com o mito de um progresso material ilimitado. Somos frágeis, vivemos em
um mundo frágil, temos que reduzir nossos impulsos e desejos. E mais, temos de
comprender uma coisa: este mundo não é um bem sem dono. Somos seus usuários,
não seus proprietários. Precisamos também regular o direito de propriedade,
levando em conta que, sobre cada
propriedade privada, pesa uma hipoteca social, uma vez que as riquezas da terra
destinam-se, em primeiro lugar, ao bem comum.
Tudo isso está condicionado a uma mudança
de estilo de vida, a sermos capazes de
nos contentar com o bastante necessário, sem nos apegar ao que temos nem nos
entristecer com o que não possuimos. Daí não resultará uma vida de menos prazer
ou menor intensidade, ao contrário, resultará um prazer duradouro, com um novo
significado para a convivéncia humana, fundada na essencial.
O Papa lembra ainda que nada disso
significa perda ou empobrecimento. "Feitos para o amor, existe em cada um
de nós uma espécie de êxtase que nos leva a sair de nós mesmos para encontrar
nos outros um acréscimo do nosso ser" ("Fratelli Tuti," 88).
No Sermão da Montanha Jesus nos manda
abrir os olhos em nossa volta: "Olhai as aves do céu, olhai os lírios do
campo. Não ceifam nem semeiam, no entanto o Pai do Céu não permite que lhes
faltem alimento nem vestimenta" Cf. Mt.6,26. A estes irmãos, e a outros
tantos, que vivem no mesmo habitat nosso, basta-lhes o essencial. E alguém já
viu um pássaro envelhecer? Um rouxinol
deixar de cantar? Ou algum outro bicho precisar de psicanalista?
É certo
que alguns dos nossos fizeram a experiência do "não" absoluto
ao supérfluo. Um deles foi um gênio, um dos maiores da História, Einstein. Um
só? Não importa. Basta um para provar a possibilidade aberta a todos.
É assim que interpreto este diálogo entre
Albert Einstein e Charles Chaplin:
- "O que mais admiro em tua arte,
Chaplin, é que não dizes uma palavra e o mundo inteiro te entende".
- "Maior é tua glória, Einstein, o
mundo inteiro te admira sem entender o que dizes."
Um não precisava de palavras para fazer-se
entender. Outro nem precisava ser entendido pela razão, para deixar seu legado
de sabedoria.
Frei
Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor
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