Pe Fabio Potiguar dos Santos
O Senhor disse a Moisés:
“Eu vi a miséria do meu povo que
está no Egito. Ouvi o seu clamor por
causa dos seus opressores; pois eu
conheço as suas angústias . Por isso eu
desci a fim de libertá-lo das mãos dos egípcios, e para libertá-los eu vou fazê-lo subir a uma terra boa e
vasta… Agora o clamor dos filhos de
Israel chegou até a mim e também vejo a opressão com que os egípcios os estão
oprimindo. Vai, pois, e te enviarei à Faraó para fazer libertar e fazer sair do
Egito o meu povo. ” (Ex 3,7-10).
Esta passagem bíblica é a
manifestação do compromisso de Deus com o Povo. É o anúncio da Páscoa dos
Hebreus. É a profecia da Páscoa Definitiva a ser inaugurada com a Morte e a Ressurreição
de Jesus. Jesus, humano conosco. Jesus, Deus com o Pai e o Espírito Santo.
Páscoa jubilosamente celebrada hoje, Domingo da Ressurreição.
Na Páscoa da Antiga Aliança
Deus liberta seu povo da escravidão tirânica do faraó opressor. Na Páscoa da Nova
e Eterna Aliança Deus liberta seu povo do pecado e da escravidão da morte
eterna. Pecado de cada pessoa e o pecado social das desigualdades e das injustiças
que ainda hoje sofre o povo de Deus, muito mais agora em tempos de pandemias e
pandemônios. Vamos, então, à luz do capítulo três e versículos de sete a nove
do livro do Êxodo, ler, refletir e sentir o próprio Deus e sua ação Pascal
Libertadora.
Eu vi a miséria do meu
povo. Em Jesus, o
Emanuel - Deus conosco - Deus vê com os olhos humanos de Jesus e com
seu olhar divino a nossa miséria. Aquela miséria inerente à nossa condição
humana de seres famintos, sedentos, carentes, necessitados, incompletos e
inacabados. Falo aqui no sentido existencial da palavra e não a miséria no
aspecto financeiro. Mas Deus ver
igualmente a miséria socioeconômica do seu povo e da natureza destruída e
devastada, sua Criação. O Evangelho do Ressuscitado
nos convoca às bem-aventuranças da justiça e da paz. O homem novo e a mulher nova renascidos na Páscoa,
ressuscitados com Jesus Cristo pelo poder do Espírito Santo só serão novos de
verdade, se forem instrumentos das exigidas transformações econômicas, sociais, culturais e ambientais, sem excludentes e excluídos, sem opressores e
oprimidos. Sem faraós.
Eu conheço as suas
angústias. Deus
sabe de nossas angústias, Ele é também carne de nossa carne e ossos de nossos
ossos. Ele é o Verbo Encarnado
angustiado no Monte das Oliveiras e no monte do Calvário. Deus não é um Deus distante, indiferente,
desligado e desinteressados de nós. Um sarcástico. Ele confessou na sua angústia suprema que a
carne é fraca. Não era um ensinamento de
Deus para os homens. Era uma confidência do Deus feito carne que confidenciava que
a carne é fraca. Deus conhece muito bem a dor da depressão. “Minha alma está perto perturbada até a morte”(Mc
14,34). Ele nos dias de sua vida terrestre ofereceu súplicas ao Pai, por nós,
com clamor e lágrimas (Hb 5,7). Deus chora! ( Jo 11, 35). Jesus Chorou cantam Mano Brown, DJ KL Jay, Ice Blue e Edi Rock do
Racionais MC’s. Deus conhece a pobreza,
o preconceito e a discriminação de ser o Nazareno e Galileu. Quem são nazarenos
e galileus de hoje? Nós conhecemos? Conhece
a tortura na prisão e a morte de cruz. “Lembrai-vos
dos presos, como se estivésseis presos com eles, e dos torturados, como sendo-o
vós mesmos também no corpo” (Hb 13,3).
Deus
tem fome e sede. “Tive fome e me deste de comer tive sede e me deste de beber...
tive preso e me foste ver” (Mt 25,35-36).
Ele gritou na cruz “tenho sede!” (Jo 19,28). Deus conhece as nossas angústias e sofre os
nossos sofrimentos muito mais do que nós sofremos com as nossas dores. O Dom Helder vai mais longe no mistério
pascal e faz uma oração : ““Mais que comum dos dias, olhei o mais que pude os
rostos dos pobres, gastos pela fome, esmagados pelas humilhações, e neles
descobri teu rosto, Cristo Ressuscitado!”.
Eu desci a fim de
libertá-lo. O
Filho desceu do céu e veio à terra. Desceu até aonde nós tínhamos descido nas
trevas do pecado e da morte. Desceu até
o homem e a mulher em suas condições humilhantes, degradantes, vexatória,
desumanas e cruéis ferindo a sua dignidade de pessoa, seja enquanto indivíduo ou
membro de uma sociedade. Desceu à terra,
“ a Criação geme como em dores de parto esperando também a glória e a condição
de filha de Deus” ( Rm 8,22). Desceu até
debaixo da terra, na chamada “mansão dos mortos”, aonde estavam, na imagem
alegórica bíblica os nossos primeiros pai e mãe, Adão e Eva. Aliás, existe uma
Antiga Homilia do Sábado Santo do século IV sobre essa descida. Sugiro a
leitura. É para mim um dos textos mais bonitos da literatura universal. Se no
último Domingo de Ramos o papa Francisco nos disse que “ Jesus sobe à cruz para
descer ao nosso sofrimento” , podemos dizer também que ele desceu à terra para
nos levantar para terra e, além da terra, o céu.
Eu
vou fazê-lo subir a uma terra boa e vasta. Aquele que
morreu e ressuscitou subiu aos céus em sua ascensão. Nós que com ele morremos e
ressuscitamos, também com ele subimos aos céus. (Ef 2,6). Somos agora terrestres
e celestes. Humanos e divinos. Já subimos pelo batismo, mas vai chegar um dia, quando,
da hora de nossa páscoa definitiva, em que subiremos para esta terra boa e vasta
do céu para sempre numa festa que nunca se acaba. Dom Helder Camara, na Missa dos Quilombos, com Dom Pedro
Casaldáliga e Dom José Maria Pires, Milton Nascimento e Pedro Tierra, reza a
Nossa Senhora: “Pede ao teu Filho que esta festa não termine aqui, a marcha
final vai ser linda de viver. ... Mariama, Mãe querida, nossa Mãe!”. Outra
dica. Procure no youtube e se arrepie do começo ao fim!
Festa! Contudo, não somos
alienados nem alienantes. A Páscoa de
Jesus tem incidência na promoção da dignidade de cada pessoa humana e na
preservação do meio ambiente. Ele faz subir
os que estão sofrendo violações de seus direitos civis, políticos, econômicos
sociais culturais e ambientais. Daí o
nosso compromisso de, enquanto ressuscitados com Cristo promover, proteger e
reparar os Direitos Humanos na sua indivisibilidade e interdependência e o direito
da Mãe Terra à vida. Todo desenvolvimento econômico e social só é legítimo
quando sustentável.
Como concluir essa nossa
partilha? Bendito seja Deus que nos vê, nos conhece, desceu até nós e nos fez
subir com Ele. A sua Páscoa é nossa Páscoa.
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