Marcelo Barros
A tragédia da
pandemia escancara para todo mundo ver
que a divisão de classes é cada vez mais forte. Não é por acaso que, no Brasil,
a partir de março de 2020, o desemprego atingiu 14 milhões de brasileiros/as e
19 milhões se situam abaixo da linha da pobreza. No entanto, na mesma época, o
lucro da elite mais rica do país triplicou.
Na Europa, no
início dos anos 80, analistas sociais escreviam que se a taxa de desemprego chegasse
a 8%, a sociedade não aceitaria e haveria uma convulsão social grave. Hoje há
países como a Grécia, a Espanha e mesmo a Itália, onde a parcela de desocupados
chega a quase 30% e não acontece nada.
Na sociedade atual, quem perde o emprego sabe que não se trata de uma situação
passageira. Quase certamente, não conseguirá outro emprego em algumas semanas
ou meses. O desemprego é estrutural. As
empresas são consideradas sadias e lucrativas quanto menos empregados
contratarem. E o mais grave de tudo isso é que essa situação é vista por muitos
como normal ou ao menos como inevitável. A maioria dos meios de comunicação
apregoa o neoliberalismo como um dogma e a exclusão social da imensa maioria
das pessoas como um sacrifício inevitável e positivo do progresso. O objetivo é
o lucro das empresas a qualquer custo e o progresso material. Os patrões se
protegem da pandemia, mas as empregadas domésticas e todas as pessoas que
trabalham têm de assumir os riscos de viajar em coletivos superlotados e
garantir o comércio e o lucro dos patrões.
Atualmente, diante
da crise estrutural do desemprego, às vezes, os próprios coletivos de trabalhadores
se sentem obrigados a propor redução das horas de trabalho para evitar
demissões em massa. O Capitalismo continua em seu afã de manter os organismos
do Estado a seu serviço, de considerar a natureza como mercadoria a ser
explorada e encontrar sempre formas novas de explorar o trabalho dos outros.
Nestes dias em que
a educação e muitas atividades são obrigatoriamente reduzidas ao trabalho
virtual, as empresas de educação exploram o trabalho dos/as professores/as até
a última gota de sangue e nem sempre pagando horas extras. Quem assessora
grupos sabe que as pessoas simplesmente pedem lives e videoconferências, muitas
vezes, sem se darem conta de que isso é um trabalho que exige mais de quem o
faz do que os encontros presenciais. Nestes tempos de pandemia, o trabalho
virtual começa a tomar, em alguns casos, a configuração quase de trabalho
escravo não remunerado, mais exigente e pesado do que as formas clássicas de
emprego.
É verdade que em
um mundo de trabalho virtual e no qual todas as profissões sofrem a ameaça de
ceder espaço para a revolução digital, o 1º de maio tem de ser celebrado de
modo diferente do que era nas décadas de grandes passeatas e concentrações. É
mais importante do que nunca mostrar que não existe a alternativa entre salvar
a vida das pessoas ou salvar o comércio. Além do fato de que, a longo prazo,
isso é falso, ao assumir abertamente a cara desumana do sistema que põe o lucro
acima da vida, a sociedade dominante se revela mais assassina do que o próprio
vírus da pandemia.
Infelizmente,
a ideologia neoliberal penetrou até nos ambientes das Igrejas e religiões. Na
encíclica sobre a fraternidade universal, o papa Francisco propõe que se passe
do mundo dos sócios ao mundo de irmãos e irmãs (FT 101). Neste contexto, o 1º
de maio não pode ser apenas o dia do trabalho, como se fosse uma data para
acentuar o valor do trabalho. É a pessoa dos/das trabalhadores/as que deve
merecer atenção e cuidado e não só como pessoas individuais e sim como
categorias e coletivos.
Como
os profetas e profetizas da justiça e da paz são sempre minorias, mas nunca
deixam de atuar, o 1º de maio continua sendo uma data simbólica que nos convoca
para cuidarmos da vida, da segurança e da saúde das pessoas. Quem é cristão
recorda que o evangelho chama Jesus de carpinteiro ou artesão, termo usado na
época para qualquer trabalhador braçal. Assim, os homens e mulheres que hoje
assumem a missão de participar da caminhada coletiva do mundo do trabalho sabem
que ao lutar pacificamente para transformar esse mundo estão sendo testemunhas
de que o reinado divino está vindo e Deus está presente na luta do povo pela
justiça e pela paz.
Marcelo Barros,
monge beneditino e escritor, autor de 57 livros dos quais o mais recente é
"Teologias da Libertação para os nossos dias", Ed. Vozes, 2019. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
Obrigado, bom pastor, Marcelo, pelo seu empurrão!
ResponderExcluirComo precisamos encontrar formas de luta! Em qualquer caso, é imprescindível contarmos com sindicatos e partidos comprometidos com os trabalhadores. E os cristão, reler, meditar, agir como Jesus nos pede