Pe Fabio Potiguar dos Santos
Nesta noite escura que
atravessa o mundo e, principalmente o Brasil, diante de tanta dor e sofrimento
do povo por causa de uma crise sanitária, política, econômica e social agravada
por um gestor incompetente e irresponsável, sem consciência e sensibilidade;
ante da morte não de números, mas de pessoas com suas famílias enlutadas, ricas
e pobres, sem fazer os ritos de despedidas mais completamente; perante a
angústia, a ansiedade, a depressão, o pânico e outros transtornos psíquicos
causados neste cenário onde há dias que mais morre gente do que nasce no Brasil
e, nos sentindo “o próximo da fila” que possa vir a ter o covid-19 ou morrer em
decorrência dele: diante, ante e perante podemos nos perguntar por onde anda
Deus.
É meu o grito do
salmista. “Ó Senhor, por que ficais assim tão longe, e, no tempo da aflição vos
escondeis?” ( Sl 10,1). “Até quando, ó Senhor, me esquecereis? Até quando escondereis de mim a vossa face?” (Sl 13,2).
Talvez possa até dizer, é nosso esse brado do semita.
Grito muito mais ainda
com Castro Alves em Navios Negreiros e Vozes da África diante do sofrimento do
povo negro escravizado pelos cristãos nas Américas de um ponta a outra.
Protestantes e católicos que também dizimaram muitos e tantos povos indígenas.
Crime contra a Humanidade. Vergonha para consciência cristã. João Paulo II
várias vezes pediu perdão por isso, e também o amado papa Francisco. E Deus,
por onde andava Deus naqueles tempos e nos tempos de hoje quando parece não ver
as novas formas de escravidão, exploração do povo, o abuso de menores ou os
maus-tratos de idosos, o sofrimento psíquico e psiquiátrico que atinge do mais
rico aos mais humildes, a opressão dos pobres e a devastação e da natureza?
Com a pandemia essa
escandalosa exploração e destruição não só se tornaram mais evidentes, como se
acentuaram de forma assustadora e criminosa. Diante de tudo isso me junto a
este poeta abolicionista: “Deus! ó Deus! onde estás que não respondes? Em que
mundo, em qu'estrela tu t'escondes. Embuçado nos céus? Há dois mil anos te
mandei meu grito, Que embalde desde então corre o infinito... Onde estás,
Senhor Deus?.”
Epicuro, na antiguidade,
já questionava: “Ou bem Deus deseja suprimir o mal, mas não pode, ou Ele pode
mas não quer. Se Deus o quer mas não pode, Ele é impotente, o que é contrário à
sua natureza. Se Ele pode mas não quer, Ele é malvado, o que é contrário à sua
natureza. Se Ele o não o quer nem o pode, Ele é ao mesmo tempo impotente e
malvado, o que significaria dizer que Ele não é Deus. Mas se Ele pode e quer, o
que só convém a Ele, de onde vem então o mal e por que Ele não lhe suprime? ”
O papa Bento XVI na
Audiência Geral no dia 27 de setembro de 2006, se referindo a São Tomé dizia:
“Ao mesmo tempo, a sua pergunta confere também a nós o direito, por assim dizer,
de pedir explicações a Jesus. Com frequência nós não o compreendemos. Temos a
coragem para dizer: não te compreendo, Senhor, ouve-me, ajuda-me a compreender.
Desta forma, com esta franqueza que é o verdadeiro modo de rezar, de falar com
Jesus, exprimimos a insuficiência da nossa capacidade de compreender, ao mesmo
tempo colocamo-nos na atitude confiante de quem espera luz e força de quem é
capaz de as doar”. O livro Introdução ao Cristianismo é um dos mais importantes
do teólogo Ratzinger. Assim ele escreveu: “Tanto o crente quanto o incrédulo,
cada um à sua maneira compartilham a dúvida e a fé, sempre entendidos que não
procuram fugir de si mesmos e da verdade de sua existência. Ninguém pode
escapar completamente da dúvida, mas nem mesmo da fé. Para um, a fé se faz
presente contra a dúvida, para o outro na dúvida e na forma da dúvida”
Conhecemos e, costumamos
repetir ao longo de nossas vidas, principalmente naqueles mais difíceis juntos
com o pai do menino epilético: “Senhor eu creio, mas aumentai a minha fé” (Mc
9,24). Essa tradução está errada, erradíssima. A tradução mais próxima do
original seria: “Eu creio! Ajuda minha incredulidade! ”
No grego está escrito: “
Πιστεύω - pisteuó (eu creio) + βοήθει – boétei (ajuda) + μου (minha) + τῇ -te (a)
+ ἀπιστίᾳ - apistia (não-fé). Creio, ajuda minha incredulidade”. A minha fé e a
minha não-fé caminham juntas. Ajuda,
Senhor, minhas trevas luminosas, tão clara e tão escura.
A nossa fé não uma fé é
estúpida, imbecil, ignorante. A verdade absoluta não é absolutista. A nossa fé
interroga e faz perguntas com os salmistas ou com apóstolo Tomé.
O grande e bom Carlo
Maria Martini, teólogo, biblista, pastor e cardeal por muitos anos de Milão, um
bispo realmente progressista, na inauguração da Cátedra dos Não-Crentes”, em
1987 dizia: “Eu acredito que cada um de nós tem dentro de si um incrédulo e um
crente, que falam um com o outro, que se
questionam, que continuamente enviam perguntas pungentes e perturbadoras um ao
outro. O não-crente que está em mim perturba o crente que está em mim e
vice-versa. A apropriação deste diálogo interior é importante, pois permite a
cada um crescer na autoconsciência”.
Onde está Deus? Amado
irmão e irmã, companheira e companheiro, o Cristianismo tem a honestidade de
não ter uma explicação. Estamos diante do mistério de Deus, do mistério da
mulher e do homem e do mistério dos cosmos. E o mistério não podemos agarrá-lo,
escapa-nos das mãos.
Porém, o Cristianismo tem
algo maior do que toda e qualquer explicação. Não se assuste! Deus é o primeiro
escandalizado com o escândalo do mal, aquele que mais sofre. Deus sofre com a
gente e muito mais do que a gente com o mal que devasta o mundo: a fome, as
guerras, as catástrofes, as doenças, o sofrimento e morte de inocentes, o mal
moral causado pela maldade humana. Ele não é um espectador desinteressado e
distante, desligado assistindo indiferente o drama, a tragédia e a comédia da
existência humana e da criação. Ele
sofre por nós, conosco e em nós. Mais, Deus sofre em si mesmo.
Ele sofre por nós, quando
por nós e para nossa salvação assumiu nossa carne de agonia e de prazer, de
vida e de morte, ressuscitando depois para dar sentido a nossa totalidade
psicossomático e espiritual. Ele sofre conosco chorando nossas lágrimas em
solidariedade e consolo.
Ele sofre em nós, no mais
íntimo, ou no outro, quando bem disse: “ Eu tive fome, sede... Eu estive
doente, preso, estrangeiro...” (Mt 25,35). Deus sofre em cada pessoa que sofre suas
angústias independente de sua classe social, sofre no sofrimento da exploração
econômica, social, política promovido por um uma cartilha perversa exclusivista e excludente. Deus
sofre na Criação explorada e devastada por esse mesmo modelo contra a Deus,
contra a Humanidade e contra a Ecologia.
Deus sofre e nos convoca
a acabar com esse sofrimento ou, ao menos amenizá-lo, através do nosso
compromisso e engajamento que neste momento, mais do que nunca tem duas
frentes. Uma emergencial, para os doentes e os que passam fome. Outra,
estruturante, na construção de uma justiça Ecosocial que promova uma sociedade
fraterna, pacífica e feliz. Isto mesmo, feliz.
Precisamos voltar a
sorrir de novo. Nestes tempos de pandemia e pandemônios suplicamos Àquele que
sofre conosco que venha com sua presença ficar bem no meio e dentro de nós.
Concluo com uma mística,
um momento de espiritualidade.
Ó Deus, renove em nós a
esperança, o sonho e a utopia, a teimosia, a poesia. Deus, renove em nós a
força, a garra, a coragem e a energia. Deus, renove em nós a alegria, a
felicidade, o júbilo, o contentamento, a delícia, o gozo, o prazer, a arte, a
música e a dança. Nós precisamos cantar e dançar! Deus, renove em nós a saúde
física, psíquica e espiritual restaurando o corpo, a alma e o espírito de todas e todos,
de cada um e cada uma. Deus, renove em nós aquela sua benção que nos guarda,
protege e defende de todos os perigos visíveis e invisíveis. Deus, renova em
nós a paz, calma, serenidade, tranquilidade, suavidade, mansidão e leveza. O
seu nome, ó Deus, é Deus-conosco, o Emanuel, que chora nossas lágrimas e sorrir
nossos sorrisos. Fica conosco e em nós!
Padre Fabio Potiguar Santos Capelão das Fronteiras, membro da Comissão
de Justiça e Paz e coordenador da Comissão para o Ecumenismo e o Diálogo Inter-
religioso da Arquidiocese de Olinda e Recife
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