por Frei Aloísio
Fragoso
No próximo domingo a Igreja celebra a
festa de um homem excepcional.
Entenda-se esta última palavra ao pé da letra: ele foi uma exceção. Em
meio a milhões de outros que não chegam à metade do que deveriam ser, ele foi
pleno. E esta plenitude era nutrida pela paixão. Se quiséssemos usar a
linguagem da gíria, diríamos: "pense num cara apaixonado!". Paulo
Apóstolo.
Logo de início, quando teve que enfrentar
os que contestavam seu papel de evangelizador, ele reage forte, numa carta
endereçada à comunidade de Corinto: "Quem ousa dizer que não sou apóstolo?
Vocês são o resultado do meu trabalho. Que outros não me aceitem como apóstolo,
vá lá, mas vocês, não! Vocês são a prova da legitimidade do meu
apostolado" 1Cor.9,2.
A mesma paixão anima seus cuidados com
estas comunidades: "Vocês podem ter muitos mestres, porém um só é o pai de
vocês: sou eu este pai, e sofro dentro de mim dores de parto, até que o Cristo
Senhor seja gerado em vocês" 1 Cor. 4, 14-15.
A mesma paixão se reflete na sua adesão pessoal
a Jesus: "Eu vivo sim, mas não sou eu quem vive, é Cristo que vive em mim.
Com Ele eu fui crucificado" Gl.2,19-20. E se radicaliza na sua fidelidade
à missão: "Eu sou um homem livre, não sou escravo de ninguém. No entanto,
pela causa do Evangelho, me faço escravo de todos, para ganhar o maior número
possível" 1Cor. 9,19.
Falar sobre São Paulo é calar ao máximo
para somente escutá-lo.
Se lhe pedíssemos: "descreva-se a si
mesmo, conte o que se passou e o transformou em um outro homem, decerto ele
diria: "O Cristo morto e ressuscitado invadiu a minha vida" Gl.1,2.
"Agora não quero saber de outra coisa, senão Dele" 1Cor. 2,2.
"Não o conheci pessoalmente, segundo a carne, porém o conheci segundo o
espírito, e por isso falo Dele como um apaixonado" Ef.1,14. "Toda a
minha pregação tem a sua Cruz como fonte geradora de nova vida" GL.6,14.
"É em nome Dele que trabalho para formar um Povo Novo, onde gregos e
judeus, escravos e livres, homens e mulheres, de todas as línguas e culturas,
convivem sem discriminação, uma vez que se tornaram novas criaturas" Ef.
2,15 + Gl.3,27.
Se o transportamos para nossos dias e o
deixarmos percorrer as cidades do nosso país, e pregar com a mesma fé e paixão,
o que ele diria? O que diria aos que se encontram abatidos e desanimados,
sentindo-se impotentes? - "Deus escolheu aquilo que o mundo tem em conta
de fraqueza para confundir os que se fazem passar por fortes. Escolheu o que é
loucura aos olhos do mundo para confundir os pretensos sábios. Pois o que
parece loucura de Deus é mais sábio do que toda sabedoria humana, e o que
parece fraqueza de Deus é mais forte do que toda força humana" 1Cor.1,
11ss.
O que diria Ele aos que se apoderam do
Evangelho e do nome de Deus e procuram implantar uma prática religiosa alienada
da vida do povo, aliada aos poderes deste mundo, voltada para si mesma? -
"A todos, sem exceção, Deus concede carismas, em vista do Bem
Comum".1Cor.12,7. Cânticos e louvores, lágrimas de emoção, estranhas
línguas, prodígios e milagres, beneficências.... se tudo isso não for provado
por um amor sincero e real, feito de atos e não de palavras, de nada vale, é
apenas como um sino que toca e depois não toca mais. Cf.1Cor.13ss.
E o que diria Ele aos que ocupam as
cúpulas do poder político e econômico, com projetos destinados a oprimir os
fracos e favorecer as classes dominantes? - A estes Ele não diria nada.
Prepotentes e arrogantes não tem ouvidos abertos à voz de um profeta. Eles o
temem e perseguem. Ele agiria. Faria o que fez por onde passou. Reuniu os
pequenos e deserdados e se pôs a constituir com eles um Povo Novo, em torno de
Jesus Cristo, com uma nova consciência sobre suas relações com Deus, entre si e
com o mundo em volta. Em Tessalônica fundou comunidades de cidadãos simples e
pobres, entre os quais se contavam escravos, indistintamente. Uma tal mistura
era uma subversão das estruturas sociais
patriarcais e hierarquizadas daqueles tempos. E ainda deu-lhes um fundamento
teológico com a doutrina do Corpo Místico: formamos um só Corpo, sendo Cristo a
única Cabeça, e todos os demais, membros uns dos outros, com direitos e
responsabilidades equivalentes. "Nenhum pode dizer ao outro: eu sou mais
importante do que você" Cf.1Cor. 12,21ss.
Imaginemos se estas perigosas sementes
fecundassem em outros lugares, e chegassem a Antioquia, Atenas, Galácia, Éfeso,
Colossos, e até Roma, o abalo seria geral. E chegaram de fato. E o abalo foi
geral. Logo mais o Império Romano será invadido por estas sementes. E, com os
anos, o mundo conhecerá os efeitos da maior revolução da História, originada
dos Evangelhos e acionada pelo maior dos Apóstolos.
A memória de São Paulo nos estimula a uma
nova esperança. Quem sabe, daqui a alguns anos, ao recordar os tempos sombrios
de hoje, daremos graças a Deus porque os enfrentamos, pois deles resultou um
bem maior, "nunca mais o mundo foi o mesmo". Não que Deus nos tenha
mandado uma pandemia para aprendermos a conviver como seres humanos, mas Ele
nos concedeu a graça de, como diz o salmo, colher na alegria o que plantamos na
dor. Então, teremos motivo de repetir, como nossas, as palavras de São Paulo:
"Combati o bom combate, terminei minha carreira, guardei a fé" 2
Tim.4,7. Amém.
FREI
ALOÍSIO FRAGOSO é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.
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