Por
Frei Aloísio Fragoso
Um dia Jesus falou assim: "Quando
vocês veem uma nuvem vindo do Ocidente, dizem: vai chover. E chove, de fato. E
quando sentem o vento sul soprando, logo afirmam: vai fazer calor. E faz mesmo
calor. Hipócritas! Vocês que sabem interpretar os sinais do céu e da terra,
como é que não são capazes de entender o tempo presente! Lc.12, 54-56.
Este desabafo ecoou por mais de vinte
séculos, e hoje é tão atual como naquela época em que Jesus mesmo era o Sinal
que seus contemporâneos não queriam entender.
A tragédia do Coronavírus pede uma
interpretação.
Os primeiros a opinar são os profetas do
apocalipse: "O Coronavírus é castigo de Deus irado contra os pecados de
vocês. E, se não se arrependerem, virão pragas ainda maiores!". Com esta
visão, provocam duas outras tragédias: a do ateísmo de pessoas lúcidas que não
admitem submeter-se a um Deus vingativo e aterrador. E a do sectarismo dos que
se arrogam o direito de dividir o mundo entre bons e maus, e
"obrigam" a Deus de ficar do lado deles, os únicos predestinados à
salvação.
Deixemo-los entregues aos seus
histerismos.
Antes que o COVID 19 o contaminasse, o
mundo já estava doente
Distraídos com suas seduções, achamos que
seria apenas um curto circuito, um breve
apagão. O Sr. Ministro da Economia, em conchavo com o Sr. Presidente da
República, em nome da estabilidade
econômica, declarou, no início de março: "se esta quarentena chegar até 7
de abril, o país vai falir". A quarentena
está chegando a julho, o Brasil não faliu e os brasileiros viram desmascarada a
farsa de que não havia dinheiro no cofre nacional.
Na verdade, esta tentativa de ludibriar a
população representa a total insensibilidade aos "sinais do tempo", a
inútil arrogância de julgarem-se "senhores do tempo'.
Deixemo-los entregues à sua autofagia.
Da nossa parte, procuremos fazer nossa
leitura, a partir de alguns novos fatos. A pandemia obrigou-nos a fechar nossas
igrejas às celebrações públicas. Um doloroso sacrifício para numerosos fiéis
praticantes. No entanto, há outras questões girando em torno desta. Acaso o
esvaziamento dos templos foi capaz de produzir uma ruptura em nossas relações
com Deus? Acaso Deus não é soberano para compadecer-se de nós, independente dos
lugares santos que construimos em seu louvor? Mais importante do que ficar a
lamentar-se é focar nossa atenção nestas palavras de Jesus: "onde dois ou
mais estiverem reunidos em meu nome, eu
estarei no meio deles". "Onde" significa "qualquer
lugar".
Há outras pandemias acontecendo, com
sequelas semelhantes a esta. Em países da Europa, faz anos que os fiéis
cristãos assistem ao fechamento de grandes igrejas, grandes mosteiros, grandes
seminários. Em algumas cidades a Igreja local não sabe que destino dar a estas
construções esvaziadas de gente e de finalidade.
Onde está o vírus causador dessa outra
tragédia? Há quem desconfie de um outro vazio nestes sinais do tempo: a Igreja precisa apresentar ao mundo uma face
mais evangélica do Cristianismo. Quisemos converter o mundo e agora o mundo
está exigindo a nossa conversão. Como afirma um conhecido teólogo tcheco, Tomaz
Halik, está na hora de se operar a passagem de um ser cristão estático para um
vir a ser cristão dinâmico. Em outras palavras, cada batizado em nome de Cristo
deve deixar de parecer e começar a tornar-se cristão de verdade.
Houve uma época, já faz séculos, em que
não era preciso uma pandemia para se fecharem as igrejas. A Instituição usava o
Interdito como forma de punição. Regiões inteiras eram proibidas de celebrar a
Eucaristia e os demais sacramentos. Este fato contribuiu para o nascimento de
muitos movimentos de espiritualidade, à margem da Instituição, que acabaram
influindo na reforma da própria Igreja.
Erro maior seria recorrer às "redes
sociais" como o grande sinal promissor para o futuro da evangelização.
Nenhuma tecnologia poderá substituir o encontro fraterno do olho no olho, do
abraço comprometedor. Como imaginar uma piedade virtual, uma Ceia Eucarística à
distância e nossos joelhos dobrados diante de um aparelho de TV?
Segundo o relato dos Evangelhos, Maria
Madalena foi visitar o sepulcro e encontrou o túmulo vazio. Mas escutou uma voz
que dizia: "Vá anunciar aos meus discípulos que irei à frente deles para a
Galiléia".
Nosso Ato Penitencial seja descobrir onde
fica a Galiléia de hoje, e partir ao
encontro de Jesus. Os sinais do tempo poderão indicar-nos que esta Galiléia se
encontra não ali onde a Igreja está e sim onde ela não está.
Nesta jornada, sejamos guiados pelos
apóstolos Pedro e Paulo, cuja festa
celebramos neste domingo. Amém.
FREI ALOÍSIO
FRAGOSO é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.
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