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sábado, 6 de junho de 2020

COVID - 19 - TRIGÉSIMA SEXTA REFLEXÃO MÍSTICA E POESIA (2) EM TEMPOS DE CORONAVIRUS


Por Frei Aloísio Fragoso

     Volto ao propósito de alternar REFLEXÕES de minha autoria com as do Pe. Daniel Lima, poeta místico que conheci tardiamente e logo coloquei na lista dos meus preferidos. Volto a lembrar o que narrei antes, que ele vivenciou uma situação paradoxal, comum a muita gente, no entanto ele o fez de maneira tão intensa que a transformou num jogo de incompatibilidades. Era um bom filósofo, mas, vez por outra, mostrava sua raiva de filósofos e filosofia. Voluntariamente trancou-se em seu apartamento, durante mais de quarenta anos, não se dando licença de sair nem, aos outros, de entrar. Enquanto isso, culpava-se, chamando-se de preguiçoso. Vamos conhecer alguns de seus poemas, que revelam justamente esta tensão de alguém que, tendo aprisionado seu ser exterior, ansiava pela liberdade de voar como os pássaros. Aliás, pássaros eram uma de suas imagens literárias prediletas, bem como voar, um dos verbos mais conjugados em seus poemas.

    Pe. Daniel enfrentou o drama de quem possui excesso de clarividência, olha a realidade com as lentes do futuro, muito além do seu tempo, e vislumbra as suas sequelas. Por isso sofre mais. Na monotonia do seu retiro, ele ficava a remover as cinzas, na esperança de que, por baixo, houvesse um vulcão. Se vivesse ainda, veria como, de fato, havia um vulcão embaixo daquelas cinzas, e que ele, sem o saber, ajudou-nos a enfrentar suas larvas. Eu mesmo tenho me alimentado e fortalecido com as  idéias dele:

 

"QUIS ser um santo

sábio ou vagabundo.

Ir até os confins das estradas

de dentro ou de fora.

Só cheguei a ser isto:

um pássaro que enlouqueceu

com o próprio canto.

          ______

 

SINTO-ME improvável,

um pássaro submarino.

Essa alegria madura

que voa nos ares do meu céu pessoal

faz-me sentir que dorme em minhas vigílias

um anjo impossível

primo de satanás

e do arcanjo Gabriel.

        ______

 

O CÉU de todos não basta.

A terra só de alguns

impede o céu de todos.

Pássaros do mundo inteiro, uni-vos.

O espaço é vosso e sem limites.

Voai, que o céu surgirá de vossas asas

e o vôo é livre e a asa é livre.

E o vôo cria a asa e a liberdade.

        _____

 

ANTES, vivia na certeza,

como uma águia aprisionada na gaiola.

A dúvida me libertou,

deixando-me voar no espaço livre,

não mais certo de nada,

senão da importância do vôo.

           ______

 

OS PÁSSAROS são sábios.

Não discutem: cantam.

Cantar é a maneira mais pura de entender a vida.

A coruja doutorou-se em filosofia.

Por isso

a coruja não canta.

        ______

 

SENHOR, livra-me

dessa bondade tímida e vacilante

por sob a qual se esconde

a minha insuportável estupidez.

 

E de vez apaga com teu sopro

essa trêmula luz

que arde e não ilumina

e apenas me perturba a nitidez da visão.

 

Sopra-me tempestades que me agitem

e arrebatem de vez

esta parda e morna serenidade

atrás da qual se oculta

a cansativa mediocridade

do meu amofinado coração.

 

FREI ALOÍSIO FRAGOSO é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.


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