Este domingo celebramos a festa da
Santíssima Trindade, o nome que damos ao nosso Deus. Antes de aclamá-Lo com a
melodia tradicional do Pai, Filho e Espírito Santo, levantemos algumas questões
que poderão transformar nosso canto numa irradiação pura da alma.
Todas as tentativas de dar nomes
definitivos a Deus fracassaram, desde os tempos mais remotos. A maior parte destes nomes desapareceram da
memória coletiva dos povos. Para nós cristãos há uma passagem bem sugestiva no
livro do Êxodo. Deus escolhe Moisés para libertar seu povo da opressão do Faraó
do Egito. Moisés resiste: "Quem sou eu, Javé? Eu nem sei falar, tenho a
língua presa". Deus responde: "Não tenha medo, porei minhas palavras
em tua boca". Moisés cede, mas questiona: "E se o povo perguntar quem
me enviou?" - "Eu sou o que sou. Tu lhe dirás "AQUELE QUE É ME
ENVIOU A VOCÊS". Cf. Ex. 3,1ss.
"Aquele que é", nesta expressão
não há nenhum nome próprio. Deus não tem nome.
E então, como vamos chamá-LO? Como vamos
invocá-LO? Vamos fazer o que é de
costume: criar-lhe um nome. Ouvimos Jesus chamar a Deus de Pai; dizer de si
mesmo "Eu e o Pai somos Um"; prometer, certa vez: "O Espírito
Santo virá e lhes comunicará toda a Verdade". Daí concluímos: Ele é Pai,
Filho e Espírito Santo. Damo-lhe um nome, obra nossa, inspiração divina.
Estas reflexões se harmonizam com a nossa
experiência pessoal. Se perguntarem "quem é você?" Ficarei embaraçado
em dar uma resposta correta. A minha pessoa não cabe em um nome que meus pais
escolheram para me batizar. (às vezes não tem nada a ver...imagine uma amiga
minha chamada Uberlinda, que não é linda nem dirige Uber). No entanto, se
alguém quer saber quem sou eu, basta acompanhar meus passos, conhecer minha
história, observar minhas ações.
Não possuimos certezas absolutas nem
devemos procurá-las. Nossa Fé é uma aposta. Cremos, confiamos, apostamos. Nem
mesmo a certeza de que um dia nascemos nos garante um longo prazo de validade.
Pois o que mais almejamos não é existir, é ser feliz.
Por isso procuramos em Deus a fonte da
felicidade. Onde encontrá-LO? - O caminho é o mesmo para todos e diferente para
cada um.
Poucos seres humanos chegaram tão perto de
Deus como São Francisco de Assis. De nada adiantaria, contudo, querer copiar o
seu itinerário. Pra começar, teríamos que beijar um leproso. Foi assim que ele
experimentou pela primeira vez a presença viva de Deus. Após dois anos de
inquietação interior, à procura de um sinal, ele encontrou-se com um leproso,
casualmente, e, vencendo sua natural repugnância, abraçou-o e beijou-o. Neste
momento, ele mesmo confessa, teve certeza de que Deus estava ali, e de qual era
a via de chegar mais perto Dele. Vamos imitar S. Francisco? Decerto que não.
Mas com ele aprendemos uma coisa: ninguém chega a Deus sem passar pelo irmão,
sobretudo o mais desamparado.
Poucos mergulharam tanto no mistério da
Trindade como Santo Agostinho. Ele afirma em sua autobiografia
"Confissões": "Tarde Te conheci, ó Beleza tão antiga e sempre
nova, tarde Te conheci. Tu estavas em mim e eu, fora de mim, Te
procurava". Ao contrário de Santo Agostinho, a maior parte de nós recebeu
noções sobre Deus já na infância. Logo, seu testemunho é inútil para nós? Não!
Graças a ele, ficamos sabendo uma lição muito importante: o ponto de partida
para chegar a Deus está em mim mesmo; tenho de me encontrar e me amar, se
quiser aprender a amá-LO.
Esta semana, conheci um pouco mais sobre
Ele nas palavras de uma humilde mulher que perdeu seu filhinho de 5 anos. Ela
teve de deixá-lo a sós, no apartamento onde trabalhava, a fim de levar o
cachorro da patroa para passear. Ao saber que ele caira do nono andar e estava
morto, ela disse: "meu filhinho está com Jesus e com Maria. Ele está no
colo de Maria". Neste belo pensamento, há, ao mesmo tempo, uma expressão
de conformidade e uma explosão de revolta, um recado de uma mãe ferida e
impotente, dirigido a todos nós: meu filho está no colo da Mãe do Céu porque,
neste mundo, não havia um colo para ele, enquanto eu tinha que dar meu colo
para o cachorro da patroa. Naquele momento Deus era o único poder capaz de
livrá-la do desespero. Quem desespera não pode mais lutar. Entender suas
palavras como um alívio para nossas consciências, seria uma blasfêmia contra o
nome de Deus.
Nestes dias sombrios de pandemia, onde é
possível encontrar Deus? - Certamente Ele está flagelado no corpo dos que foram
contaminados pelo vírus e na dor de seus familiares. Ele está crucificado na
respiração ofegante de suas vítimas fatais. Ele está amorizado nos
profissionais da saúde encarregados de salvar vidas. Ele está ressuscitado nos
que alcançaram a cura e agora dançam de alegria.(Haverá algum lugar onde Ele
não se encontra? Sim, Ele não se encontra na estupidez dos que negam as
evidências para salvar suas ambições, preferem mortes do que perdas de seus
lucros. Para estes valem as palavras de Jesus: "são cegos guiando outros
cegos; cairão no abismo" MT. 15, 14).
Sem dúvida, Ele está também em nossas
orações suplicantes pelo fim desta tragédia, ouvindo-nos e admoestando-nos:
findas as preces, vão ao encontro dos seus irmãos e irmãs e descubram
juntos o único nome meu que há de
permanecer para sempre: "DEUS É AMOR" 1Jo.4,8. Amém!
Amém.
FREI ALOÍSIO FRAGOSO é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.
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